sexta-feira, 20 de abril de 2007

[NJ] Educar para quê?

EDUCAR PARA QUÊ?

“O ambiente em que é educada tende a tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos olhos um número mínimo de possibilidades. O indivíduo é tratado por seus educadores como sendo algo novo, mas que deve se tornar uma repetição.”
– Friedrich Nietzsche

A educação no Brasil é um problema. E, como desde há muito se sabe, um problema grave. Aparece diariamente na grande mídia, nos debates acadêmicos, nas conversas de botequim. Tem apelo o bastante para, na última corrida eleitoral, ter servido de base exclusiva para a campanha de um dos candidatos a presidente. Enfim, é uma grande preocupação nacional.

As discussões sobre a questão são sempre centradas sobre os mesmos pontos: a quantidade e a qualidade. Para alguns, o cerne do problema está nos números: a taxa de analfabetismo, o número de vagas, os percentuais de afro-descendentes e de alunos provenientes de escolas públicas nas universidades, etc. Para outros, o problema é de fundo: a preparação dos professores, a adequação das grades curriculares, o rigor no controle de qualidade dos cursos superiores, etc. Cada lado tem sua dose de razão, a despeito de, no geral, serem conflitantes (nesse campo, quantidade e qualidade costumam ser inversamente proporcionais).

Há, contudo, um outro aspecto do problema, usualmente negligenciado: educar para quê? Quero dizer, há também uma deficiência de orientação, de postura, de “filosofia”, no modelo educacional corrente. Verdade é que a educação não serve, ou ao menos não tem servido, para formar sujeitos pensantes, críticos, criativos, mas para fazer cópias em série, seres passivos, depósitos de informação semi-processada.

Para os espíritos mais críticos, mais insubordinados, mais criativos, mais sedentos de conhecimento, que conseguem sobreviver apesar da educação a que são submetidos – o que é raro –, a escola pode ser um verdadeiro martírio. Eles não têm liberdade para escolher o que querem estudar, apenas um currículo totalmente rígido a ser cumprido; não têm autonomia para pensar por si mesmos, apenas a imposição de repetir o que seus mestres lhes transmitem. Mais tarde, quando o estudante pretende ingressar na universidade, encara exames vestibulares que não avaliam capacidade de raciocínio, senso crítico, perspicácia, mas tão-somente poder de reter e repetir informações. Uma vez aprovado, essa será a virtude dele exigida: a universidade o encara como um “saco” que guarda informações sem processá-las, engole sem digerir. É apenas por iniciativa do próprio saco, quer dizer, do próprio estudante, que a universidade pode ser aproveitada de outras maneiras (e é grande mérito de uma universidade deixar entreaberta, ou ao menos destrancada, a porta para tal possibilidade).

A finalidade primordial da educação deveria ser produzir emancipação, isto é, fornecer ao jovem os meios para ir além da clausura das visões dominantes e do pensamento pronto, para encontrar por si seu lugar na realidade da qual faz parte, para avaliar as possibilidades de modificar esta realidade. Hoje, no entanto, a educação está voltada para outro fim: o mercado. A própria educação se tornou um grande e lucrativo negócio. Trata-se de treinar profissionais adequados e não de formar pensadores: ou produz em larga escala “apêndices de máquina” semi-conscientes, muito adequados à função de apertar os botões e puxar alavancas sem ponderar muito a respeito, ou produz indivíduos qualificados estritamente de acordo com as demandas do mercado. Ao invés de fomentar o desenvolvimento de potencialidades, de incentivar uma postura ativa perante a realidade, a educação cuida de reduzir o novo ao velho, de colocar a massa original e única de todo jovem nas mesmas fôrmas de sempre. Sem se considerar isso, de nada adianta uma educação quantitativamente mais abrangente ou qualitativamente mais satisfatória: estaremos apenas formando mais e melhores cópias.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 02/12/2006]

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