RESISTÊNCIA, ONTEM E HOJE
Algumas semanas atrás, em companhia do colega Vinícius Magalhães Pinheiro e dos amigos catanduvenses Henrique Brino e Kleber Facchin, visitei, enfim, o Memorial da Resistência. Inaugurado em maio de 2008 e sediado no antigo prédio do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) no centro da capital paulista, o museu guarda a triste memória da perseguição política no período da Ditadura Militar.
Documentos, depoimentos de ex-presos políticos em áudio e vídeo, imagens e, sobretudo, o ambiente insalubre, apertado e tenebroso das celas e locais de tortura levantam o assustador retrato de uma era de terror político. Mesmo sendo um museu, não se trata, em definitivo, de um lugar a ser agradavelmente visitado, um passeio tranqüilo para um fim de semana qualquer. A dor e o sofrimento impregnados nas paredes do local quase sufocam quem caminha pelos corredores estreitos e fazem logo perceber que a ferida deixada por mais de 20 anos de autoritarismo político foram muito mais profundas do que muitos pretendem fazer crer.
Enquanto sentia o desconforto da visita e tentava imaginar a miserável condição daqueles que estiveram ali trancafiados, não pude evitar a comparação entre os tempos da ditadura e os dias de hoje. Mais forte do que tudo, assolava-me a impressão de ser hoje, em contraste com o passado, muito “fácil” adotar uma postura crítica e de esquerda. “Fácil” porque, a despeito de todo o conservadorismo e elitismo com que se depara o crítico na atualidade, ao menos o risco da prisão arbitrária, da perseguição e da tortura parece um pouco mais distante.
Isto, é evidente, faz pensar naqueles que, sobretudo ao longo das décadas de 1960 e 1970, lutaram contra o regime ditatorial como verdadeiros heróis. A sua luta não se limitava, afinal, a denunciar pelas palavras o absurdo da ordem presente, contrariando os interesses dos poderosos, mas implicava muito mais. Implicava colocar tudo em risco, inclusive a própria vida. Implicava abrir mão da própria segurança, colocar tudo a perder, o que certamente exige muita coragem.
Esta coragem, será que a esquerda brasileira de hoje também a teria? Serão muitos aqueles que hoje estariam dispostos a arriscar tanto pelo ideal maior da transformação social?
Faço tais perguntas, é evidente, também a mim mesmo. E faço-as porque se é verdade que os tempos atuais são democráticos e há abertura para as mais plurais correntes políticas, é também verdade que o autoritarismo não está exatamente “morto e sepultado” – as recentes controvérsias envolvendo o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos bem o mostraram – e que ainda há muito pelo que lutar. Manter afastado o risco da ditadura, manter a tortura como mera lembrança num museu, exige a continuidade da luta – avançar rumo a uma sociedade mais equânime exige mais coragem e mais luta ainda.
[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 10/02/2010. DIÁRIO (Dracena-SP), 14/02/2010.]