quinta-feira, 16 de maio de 2013

[Crítica Social] Sobre o “bolsa crack”

SOBRE O “BOLSA CRACK”

O governo do estado de São Paulo anunciou nos últimos dias um programa de assistência em que famílias de dependentes do crack receberão R$ 1.350,00 mensais para custear o tratamento destes em clínicas particulares. E, como era de se esperar, o programa recebeu desde então uma avalanche de críticas – em geral, como também era de se esperar, do pior tipo.

Há, é bem verdade, um preconceito já bastante arraigado contra o dependente do crack, preconceito que apenas agrava a situação já por si só muito grave do dependente. Como acontece com todos os outros tipos de dependência química, a questão é, desde o princípio, moralizada indevidamente. Mas especificamente no que diz respeito ao crack, as medidas de combate à dependência têm sido carregadas por uma preocupação higienista muito clara, cujo pressuposto é uma visão do dependente como uma espécie de “sujeira” ou de “doença” no espaço urbano. A desocupação violenta da assim chamada “cracolândia”, na cidade de São Paulo, no início de 2012 e a recente onda de propostas de internação compulsória dos dependentes são a prova disso.

Embora evidentemente insuficiente e falho, o auxílio para custear o tratamento do dependente do crack foge, ao menos em parte, desse esquema higienista. Enfrenta a dependência como uma questão de saúde pública e parte do reconhecimento de que a rede estatal de saúde não dispõe de condições mínimas suficientes para oferecer a todos o tratamento adequado. E este é precisamente o grande problema do programa, aquilo pelo qual deve ser criticado: o enfrentamento ideal seria, de fato, aquele levado a cabo por meio da ampliação quantitativa e do incremento qualitativo da oferta de tratamento público para os dependentes.

Para além disso, o programa herda uma série de críticas repletas de ideais reacionários e  sofre as mesmas censuras já repetidas à exaustão contra outros programas sociais, como o bolsa família ou o bolsa escola. Para quem prefere – ou ao menos parece preferir – que a população em situação de miséria continue na mesma, sem qualquer assistência por parte do Estado, talvez pareça aceitável que o dependente do crack continue simplesmente na mesma situação, à margem de tudo, sem qualquer amparo. Basta um pouco de razão, no entanto, para perceber que isto é um absurdo.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 15/05/2013.]

quinta-feira, 9 de maio de 2013

[Crítica Social] Sem saída

SEM SAÍDA

Os direitos humanos! A arte engajada/autêntica/não alienada! A educação para a autonomia/para a emancipação! O pensamento livre/desideologizante! Há uma saída! Sempre há uma saída!

A liberdade e a igualdade concretizadas! A vitória dos valores sociais sobre o individualismo! A essência humana finalmente realizada! A conscientização/politização das massas! Há uma saída! Sempre há uma saída!

Mas não, não há saída. Que vã esperança é essa que parece empurrar permanentemente a crítica social para o devaneio? Que otimismo ingênuo é esse que parece recusar-se a admitir que todas as portas estão trancadas (e que, portanto, é preciso, no mínimo, derrubá-las à força)? Por que é tão necessário renovar a todo momento o anúncio de uma saída pronta e à disposição, sempre ao alcance, logo ali? Por que é tão necessário ter em mãos isto, seja lá o que for, que permite conclamar sem cessar: “vejam, aqui está toda a esperança”?

Será o completo desespero ante a completa falta de alternativa? Desespero que, no limite, exige antepor alternativas onde não há. Desespero que, quase transformado em delírio, precisa imaginar para suportar a dura realidade. Será, então, que a mentira de que a transformação virá amanhã ou logo mais é condição para manter minimamente em atividade toda crítica e toda luta? Será que essa mentira é a condição que impede a derradeira rendição, a capitulação cabal ante o presente?

Ou será que a “aposta” nas formas e elementos típicos do mundo capitalista como protagonistas da transformação social é, na verdade, o índice do compromisso ainda profundamente arraigado, mesmo entre os críticos, com esta mesma sociedade? Será que essa “aposta” inteiramente ineficaz é a medida da incapacidade da crítica de abrir mão, no limite, do presente em nome de um futuro inteira e radicalmente novo? Ora, não se pode superar a sociedade presente com a reposição de mais do mesmo. Se a tarefa que se impõe à crítica social é pensar a superação da sociedade capitalista, certamente ela não pode pretender utilizar para tal fim aquilo que a própria sociedade capitalista oferece. E se ela não consegue pensar essa superação senão através dos elementos que a sociedade a ser superada fornece, o seu vínculo mesmo com a transformação social é que deve ser questionado.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 08/05/2013.]

quinta-feira, 2 de maio de 2013

[Crítica Social] Sobre a redução da maioridade penal

SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Há várias maneiras de não resolver um problema. Uma maneira particularmente eficaz de fazê-lo é atacar as consequências do problema, os seus efeitos, as suas formas de manifestação, sem jamais atingir as suas causas. É disso que se trata, em pouquíssimas palavras, a proposta atualmente em discussão de redução da maioridade penal no Brasil.

Novo bastião do conservadorismo e do senso comum prontamente alinhado à direita, a redução da maioridade penal é uma resposta inadequada e insuficiente, muito convenientemente requentada midiaticamente para atender a certos interesses políticos específicos do momento. O seu pressuposto é a presunção de que a ameaça da sanção penal (ou a sua efetiva imposição, tanto faz) serve como inibidora da prática de delitos – e, portanto, a presunção de que a perspectiva de impunidade para os menores de 18 anos é o fator determinante que “empurra” o jovem para a criminalidade.

Ora, se a sanção penal servisse realmente como inibidora, a criminalidade entre os maiores de 18 anos deveria ser reduzida. Mas não é. A existência simultânea de um sistema prisional cada vez mais superlotado e de índices de criminalidade crescentes é a prova empírica cabal. As medidas penais não reduzem significativamente a incidência da criminalidade simplesmente porque a ameaça ou não da sanção não é o fator determinante, não é o que “empurra” alguém para a prática do crime. A repressão estatal não elimina, sequer reduz drasticamente a criminalidade simplesmente porque mantém intactas as suas causas mesmas.

O fator determinante não é jurídico, portanto não pode ser enfrentado com uma mera alteração legislativa. O que leva o adulto ou o jovem para o crime é a perpetuação de condições sociais de extrema desigualdade. Condições de profunda exclusão e, ao mesmo tempo, de profunda carência de expectativas que, ao menos enquanto não houver uma transformação social radical, impossível de levar a cabo juridicamente, continuarão atuando sobre o jovem – quer a maioridade penal seja de 18, de 16, de 14, de 12 ou de 5 anos de idade.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 01/05/2013.]