quinta-feira, 20 de setembro de 2012

[Crítica Social] Deus, diabo, eleições


DEUS, DIABO, ELEIÇÕES

O candidato da igreja, ungido por deus. O padre/pregador/bispo/missionário/apóstolo – quantos títulos, afinal, para o mesmo cargo? – que aparece na propaganda eleitoral para dizer: “este é o meu candidato” ou, o que dá no mesmo, “este é o candidato da minha igreja”. O pastor diz e o rebanho que o siga: porque o representante de deus na terra assim prefere, então deus mesmo prefere que fulano seja eleito.

Há, em todas as cidades, pelo menos um candidato a vereador que “representa” uma igreja. Há, em muitas, um ou mais candidatos a prefeito com a mesma “proposta”. E assim a “pequena” política eleitoral municipal pode, de uma hora para outra, alavancar uma grande briga religiosa: a disputa pela prefeitura de São Paulo, por exemplo, tem suscitado nos últimos dias um conflito aberto entre a igreja católica e algumas igrejas evangélicas.

Esta situação demonstra com muita clareza a dimensão atual da influência e do poder (mundano) de algumas religiões, mas é também um indício sério da fragilidade do caráter laico do Estado. Quando eleições e religião se misturam, muitas coisas podem ser esperadas, muitas mesmo e nenhuma delas desejável – mas certamente não se pode esperar o mínimo que qualquer eleição deveria suscitar: política. Não há nenhuma proposta propriamente política que acompanhe qualquer dos “candidatos da fé”. Todos apelam à confiança dos “irmãos” de fé, são carregados pelo apoio pessoal do(s) sacerdote(s), clamam uma suposta missão confiada por deus: nenhum deles é capaz de apresentar algum plano político que se sustente, que se possa levar a sério.

A única “propaganda” que um “candidato da fé” pode fazer por si mesmo, sem o sacerdote ao seu lado, é a de usar o poder público para ajudar a edificar os princípios – seja lá quais forem – de sua igreja ou, se for um pouco mais ousado, para ajudar a levar a cabo os desígnios de seu deus. Mas por que exatamente um ser metafísico dotado da propriedade invejável da onipotência precisaria do poder público, da máquina partidária e do voto popular para realizar os seus desígnios? Por que um deus escolheria, entre todos os homens, um para ser o “seu candidato”? E como explicar que este “escolhido”, mesmo com a unção divina, perca as eleições caso não tenha votos suficientes?

Ora, a única política aqui é um projeto de poder levado adiante em benefício de um grupo ou outro por detrás de alguma religião. Nada que se diferencie fundamentalmente da infeliz realidade da política partidária laica brasileira, nada que se diferencie fundamentalmente da mesquinhez das disputas entre os pequenos grupos políticos de sempre pelo controle de cargos e recursos do poder público: isto tudo muito mais próximo, é bem verdade, do que o diabo gostaria...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 19/09/2012.]

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

[Crítica Social] Conciliação e individualização da política


CONCILIAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DA POLÍTICA

A campanha do PMDB à prefeitura de São Paulo tem se destacado por apostar todas as suas fichas num argumento do mesmo tipo: a conciliação. O candidato Gabriel Chalita é apresentado na propaganda eleitoral como aquele capaz de suspender a disputa partidária entre o PT do governo federal e o PSDB do governo estadual – o que se desdobra em várias frentes, desde uma suposta oposição entre investimento em corredores de ônibus e investimento em metrô até uma oposição muito mais significativa entre um “governo para os pobres” e um “governo para os ricos”.

Há aqui, é evidente, um ideal de “conciliação de classes” que, do ponto de vista de uma crítica social consequente e radical, não passa de falácia: toda “conciliação” implica manutenção da ordem estabelecida e, assim, manutenção do domínio de uma mesma classe. O argumento conciliador se revela mero revestimento ideológico (ou de marketing eleitoral) para uma posição conservadora. Sem mais.

Por outro lado, o argumento da campanha do PMDB tem por pano de fundo uma forma escancarada de individualização da política. A possibilidade de conciliação é inteiramente vinculada às competências e talentos atribuídos ao candidato. Toda a “solução” proposta é ancorada nos atributos de um único indivíduo. Tudo depende das qualidades que este "escolhido" possui e os outros – todos os outros – não.

Não se trata, não há qualquer dúvida, de um argumento eleitoralmente fracassado. O candidato do PMDB tem, segundo as últimas pesquisas, cerca de 7% das intenções de voto – e isto não é insignificante. A conciliação é atraente, “fácil”, e talvez seja mais simples confiar num indivíduo do que numa proposta política. Mas a individualização da política introduz um risco a ser levado a sério: a redução da política à dimensão meramente individual é, ao mesmo tempo, a completa extinção da política.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 12/09/2012.]