quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

[Crítica Social] Polícia, salário, greve

POLÍCIA, SALÁRIO, GREVE

A polícia é um aparelho estatal de repressão e opera, em última instância, em nome da manutenção dos interesses das classes dominantes. A polícia brasileira, em específico, é conhecida por excessos de violência, sobretudo contra minorias e classes sociais dominadas, bem como por uma série de deficiências de treinamento, equipamento e abordagem. Mas é absolutamente certo que os problemas da polícia devem ser reputados à conformação da sociedade presente, à estrutura do Estado, a deficiências de orçamento e interesses políticos nem sempre “declaráveis”, mas não aos policiais.
 
Como quaisquer outros trabalhadores, os policiais vendem a própria força de trabalho porque não têm outra alternativa para obter os meios para a própria subsistência e de suas famílias. Ou seja, como quaisquer outros trabalhadores, os policiais dependem inteiramente dos salários que recebem para sobreviver. E é impossível não reconhecer que os salários dos policiais brasileiros são, em grande medida, absurdamente baixos, indignos mesmo, especialmente se considerados todos os riscos inerentes às atividades que estes desempenham.
 
É bastante razoável, portanto, que os policiais almejem melhores condições de trabalho e busquem remuneração mais digna. É bastante razoável, mais ainda, que os policiais lutem, pelos meios que estiverem ao alcance, como quaisquer outros trabalhadores, por estas suas reivindicações.
 
São muito graves, exatamente por isso, os acontecimentos, a que temos assistido nos últimos dias, decorrentes da tentativa de impedir os movimentos de greve dos policiais e bombeiros da Bahia e do Rio de Janeiro. São muito graves porque visam obstruir reivindicações indiscutivelmente legítimas, porque se opõem à dignidade dos trabalhadores e porque procuram impedir a própria possibilidade da reivindicação por melhores salários.
 
Há, é verdade, uma franca oposição da grande mídia, empenhada em “criminalizar” o movimento. Mas qual o “crime” caracterizado pela exigência por um salário maior do que o irrisório? Qual o crime cometido por um trabalhador que espera melhores condições de trabalho? A prisão dos líderes dos policiais, nesse sentido, apresenta-se como prisão por motivação política, sórdida perseguição de trabalhadores que lutam por melhores condições de vida. A oposição ao movimento dos policiais é repressiva, arbitrária e violenta.
 
Não deixa de ser irônico, de todo modo, que os policiais sofram o mesmo tipo de repressão que outros trabalhadores, quando colocados diante da necessidade da greve, sofrem por parte da própria polícia. Mas a reivindicação dos policiais, como trabalhadores que são, não podem ser consideradas criminosas. Não se pode aceitar que sejam silenciadas à força.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 15/02/2012.]

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

[Crítica Social] Dois pesos e duas medidas


DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS

Uma visita da presidente Dilma Rousseff a Cuba e um pedido de visto para visita ao Brasil da blogueira Yoani Sánchez serviram, ao longo da última semana, para todo um “movimento” supostamente pró-democracia por conta da grande mídia brasileira. Censuras sem fim contra a “ditadura” cubana, críticas à postura “complacente” da presidente pela visita e um discurso clichê repetido sem cessar sobre direitos humanos. Mas qual o verdadeiro sentido deste “esforço” midiático tão escancarado?

Criticar a política de Cuba é fácil, principalmente do ponto de vista da esquerda. A revolução cubana nunca pôde avançar, o socialismo cubano nunca pôde se desenvolver por inteiro e, exatamente por isso, Cuba não pode ser um grande exemplo na luta contra a estrutura social presente, em especial para a atuação mais crítica neste sentido. Mas esta, em definitivo, não é a crítica da grande mídia brasileira. O que esta procura fazer, valendo-se inescrupulosamente do monopólio da “interpretação” dos fatos que a caracteriza, é identificar imediatamente a realidade cubana com o conjunto das propostas da esquerda, como um ideal, uma ideologia etc.

Para tanto, a crítica propalada pela grande mídia brasileira utiliza a democracia e os direitos humanos como chavões, mas não está verdadeiramente preocupada com qualquer destes ideais. A sua utilização tem por intuito acusar a esquerda como um todo de ser o seu “inverso”, quer dizer, de ser “ditatorial”, “desumana”, “arbitrária” e tudo mais que se possa encaixar levianamente nas brechas do discurso politicamente interessado e superficial. Esta crítica se coloca claramente sob o prisma da direita: os seus objetivos últimos são a legitimação da ordem estabelecida e a deslegitimação de toda e qualquer postura crítica a esta ordem.

Pode-se bem observar que os mesmos veículos de imprensa que não poupam esforços para atacar a política cubana costumam silenciar a respeito das mazelas da “democracia” e dos “direitos humanos” que afligem outros lugares do planeta. Que alguns dos governos dos países-modelo do ocidente civilizado não tenham sido eleitos pelo voto direto parece de pouca importância. Que os direitos humanos sejam constantemente atacados por parte desses mesmos países também. Os abusos cometidos pelos EUA na suposta “guerra contra o terror” (que incluem invasões no Oriente Médio, tortura, “ataques preventivos” e a manutenção de uma base militar “alheia” aos direitos humanos em Guantánamo) são francamente minimizados. O massacre aos direitos sociais (que também são direitos humanos) na Europa em crise é apresentado como questão de “prudência”. Mas os países das margens do mundo, que não seguem a “cartilha” da política tipicamente burguesa, são sempre e por qualquer pretexto alvo de polêmica e censura.

São, no fim das contas, dois pesos e duas medidas. E a grande mídia brasileira assim revela de qual lado está.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 08/02/2012.]

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

[Crítica Social] “País do futuro”


“PAÍS DO FUTURO”

Aquele famoso dito, que todo brasileiro ouve um sem-número de vezes ao longo da vida, segundo o qual o Brasil seria o “país do futuro” parece ter encontrado a sua realização. O eterno futuro já não é eterno, ao menos do (suspeitíssimo) ponto de vista político-eleitoral e midiático. Finalmente podemos marcar a data, reservar a agenda, saber que tal “futuro” é este. É a copa do mundo de 2014.

Todas as providências jamais tomadas, todas as transformações jamais efetivas, tudo que ao longo de décadas permaneceu no limbo do esquecimento e do descaso agora se tornou “prioridade”. É preciso incrementar a segurança pública, equipar e treinar a polícia. É preciso “embelezar” (ou maquiar) as cidades, torná-las mais “agradáveis”, mais “habitáveis”. É preciso construir estradas, estender linhas de metrô, melhorar e modernizar o sistema de transporte público. É preciso ampliar os aeroportos, torná-los adequados à demanda de passageiros. É preciso (e isto parece ser o mais importante) construir estádios, muitos estádios, para abrigar os jogos do campeonato.

É preciso, em suma, tornar o Brasil tudo aquilo que o Brasil nunca foi. É preciso agir, é preciso urgência. Mas nada disto, estranhamente, foi preciso antes. Nunca antes, por nenhum clamor social, exigiu-se esforço semelhante. A população brasileira, por si mesma, não necessita ou não merece, é o que talvez devamos crer. Mas a copa do mundo, sim. Para a copa do mundo, apenas para ela, é preciso vencer obstáculos profundamente arraigados, dar conta de uma série de questões históricas do Brasil. Para a copa do mundo, tudo.

Ora, a população brasileira, de fato, não é a beneficiária de nada disto que se pretende realizar. Nenhuma reforma, nenhuma medida, nenhum investimento se dirige direta e especificamente a uma melhora na qualidade de vida da população. Nenhum dinheiro é “jogado fora” com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais enormes e históricas que caracterizam a realidade brasileira. As reformas, medidas e investimentos – inclusive os gigantescos investimentos públicos – realizados por conta da copa tem por objetivo a multiplicação de alguns – já grandes, porém sempre sedentos – capitais.

As obras e iniciativas relacionadas à copa de 2014 não são obras e iniciativas para a população. Não são obras e iniciativas para construir um Brasil melhor para o seu povo. São obras e iniciativas para construir, para alguns poucos, um Brasil mais lucrativo...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 01/02/2012.]