quinta-feira, 8 de novembro de 2007

[NJ] Polícia e/ou bandido

POLÍCIA E/OU BANDIDO

Tanto quanto Cidade de Deus em 2002, Tropa de Elite, filme de José Padilha atualmente em cartaz nos cinemas, tem ensejado grandes discussões a respeito da condição das periferias das grandes cidades brasileiras, do tráfico de drogas e do combate ao tráfico de drogas. Por tratarem praticamente do mesmo tema, mas por “ângulos” diferentes, muitos consideram Tropa de Elite o oposto de Cidade de Deus, isto é, o lado da polícia contra o do crime. E é fato que cada um expõe uma certa visão, mas não creio que seja exatamente o caso opô-las.

O mérito de Cidade de Deus foi expor para a sociedade brasileira – ou melhor, para as classes médias e altas da sociedade brasileira – uma realidade que ela não desejava ver: a realidade da margem, dos enjeitados, dos barrados pelos muros invisíveis da sociedade. Sua visão é a da pobreza, a autêntica geradora da violência e da criminalidade. Nesta condição, isto é, na carência extrema, frente ao descaso do poder público, frente à segregação social, fica completamente desmistificada a idéia da “pobreza digna”. A dignidade da sociedade moderna não funciona entre os excluídos da modernidade e do progresso, de modo que a indignidade do crime pode ser a única dignidade possível.

Tropa de Elite exibe o ponto de vista da repressão. O filme revela muito dos métodos e da organização (e da falta dela) das forças policiais – uma outra realidade inconveniente, que rompe a imagem dos “bons moços” e dos “defensores da lei”. Também revela parte do ideário de parte dos policiais – e é claro que para os próprios repressores a repressão tende a ser plenamente justificada e sumamente necessária. O argumento da “guerra civil” no Rio de Janeiro, várias vezes repetido pelos personagens, mostra como os abusos no combate ao crime são justificados por seus próprios agentes: na guerra vale tudo.

No entanto, assim como Cidade de Deus não é uma justificativa para o crime, mas uma busca por suas raízes, isto é, uma espécie de crítica social, Tropa de Elite não é uma justificativa para os abusos policiais. Nenhum dos filmes ratifica o ponto de vista que expõe, ou seja, nenhum faz apologia ao seu “lado”. O simples expor já cumpre seu papel: a agressividade de Zé Pequeno e a crueldade do Capitão Nascimento se tornam explicáveis a partir da compreensão de seus contextos. Tropa de Elite pode ser um deleite para os adeptos da porretada como solução, mas constitui, na verdade, uma crítica às precárias condições da polícia (sem recursos, sem preparo adequado, refém da burocracia etc.), à corrupção e, em especial, ao combate aos efeitos de um problema social ao invés de uma incursão até as causas.

Em comum, os dois filmes têm a preocupação de apontar o fracasso completo da idéia de “Estado de Direito” na margem da sociedade. Lei, no sentido em que conhecemos, é sinônimo de capitalismo: onde o capitalismo falha, o que vige é a arbitrariedade da “lei do tráfico” ou os excessos ilegais dos agentes da lei. Onde o capitalismo não está “completo” e impera a miséria – ou, mais precisamente, entre os expurgos do capitalismo – não há e não pode haver Estado nem Direito.

No mais, é também comum a ambos a denúncia certeira de que o poder do tráfico de drogas não advém da “periferia”. Não são os moradores de favelas e de comunidades carentes que alimentam o tráfico com os pesados recursos para armas e subornos. Este poder que domina a “periferia” e ameaça o “centro”, a ponto de hoje o crime organizado ser capaz de paralisar o Brasil (como já demonstrou de fato por mais de uma vez em São Paulo e no Rio de Janeiro), é alimentado pelos consumidores de drogas que possuem recursos, ou seja, pelos setores da sociedade que dispõem dos excedentes econômicos.

Trata-se de ótima ilustração da dialética perversa pela qual o “centro” gera a “periferia” e, ao mesmo tempo, sente o perigo de ser destruído pela “periferia” – o “centro” existe a partir da exclusão, mas a exclusão ameaça devorá-lo. Basta lembrar que a Cidade de Deus nasceu na década de 60 como lixo varrido para debaixo do tapete pelo próprio Poder Público e já na década de 80 se tornou uma bomba-relógio. E é precisamente para impedir a explosão de bombas-relógios como esta que surgiram as tropas de elite, equipadas e treinadas para manter os miseráveis em silêncio diante desse mundo que deseja ardentemente ignorá-los.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 03/11/2007]

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

[NJ] O público contra o povo

O PÚBLICO CONTRA O POVO

O mensalão, o filho do presidente, o ministro e o caseiro, o deputado e o dono do restaurante, o senador e o lobista e a amante, as operações com nomes estranhos da Polícia Federal, a insana multiplicação das CPIs etc. O cenário político brasileiro atual parece ser o de uma sucessão interminável de crises e escândalos. Talvez porque uma maior transparência em nossas instituições esteja tornando mais difíceis velhas práticas por “debaixo dos panos”, talvez porque o governo atual seja de fato mais corrupto que seus antecessores, talvez porque o poder dos capitais privados de influir nas decisões públicas tenha se expandido – talvez, o que é bem provável, a imprensa tenha simplesmente descoberto o escândalo como fórmula infalível de audiência.

Certo é que a situação gerou inédita desconfiança da população em geral quanto ao poder público. A cada nova edição transbordante de sensacionalismo do noticiário televisivo, em meio ao denuncismo exacerbado que faz apenas banalizar a corrupção, a sociedade é incentivada a ter desprezo pela política. A imagem do político hoje é, como nunca antes, a imagem do corrupto, do aproveitador, do interesseiro, do membro de uma “casta” ou corporação própria que protege e encobre seus pares. Como nunca antes, o brasileiro tem a contraditória sensação de que o público está contra o povo.

Tal sensação, no entanto, é barrada no nível superficial do descrédito quanto às pessoas que concretamente ocupam os cargos públicos ou, se muito, ao arranjo institucional do Estado. As propostas de “solução” que surgem aqui e ali comprovam isso. A velha máxima do “voto consciente” e as cobranças de punição exemplar para os corruptos, que insistem ser a solução para todos os males, resumem todo o problema à moralidade, à honestidade e à boa vontade. Propostas de reforma política e de reforma eleitoral existem várias, todas buscando maior rigor e confiabilidade, mas nenhuma sendo capaz de fechar todas as brechas. No limite, há quem confie na interferência da religião. E neste ponto, quando a salvação da política se confunde com a salvação da alma, quando a política se torna questão de fé, fica absolutamente claro que o caso já é de desespero.

O que não fica claro, em hipótese alguma, é que todas essas “soluções” não passam de paliativos. O problema do poder público não diz respeito apenas aos “desvios” como a corrupção, mas à própria existência de algo como um “poder público”, como o Estado. Mesmo que o aparelho estatal funcionasse exatamente como deveria, isto é, com transparência, de maneira perfeitamente democrática e com inabalável compromisso com um suposto interesse da coletividade, ainda assim o público estaria funcionando contra o povo.

Ao contrário do que figura no senso comum e nas teorias jurídicas e políticas dominantes, o Estado não existe para o interesse comum, isto é, para o bem da sociedade como um todo. E isto não implica afirmar que o Estado existe, de modo conspiratório, como um puro mecanismo de dominação que só serve para beneficiar alguns indivíduos ou grupos determinados em detrimento de todos os demais. Este é precisamente o “desvio”, o que há de irregular no funcionamento do Estado, que tem se revelado cada vez mais corriqueiro no Brasil.

O compromisso do Estado é com uma forma específica de organização da sociedade, aquela correspondente ao modo capitalista de produção – e, este sim, em sua essência fundado em exploração econômica, beneficia alguns poucos em detrimento de muitos, gera desigualdade e injustiça. O Estado, ainda que indiretamente, é, portanto, o guardião dessa desigualdade e dessa injustiça. Uma melhor escolha dos ocupantes dos cargos públicos ou qualquer reforma no quadro institucional do Estado não farão mais do que amenizar o problema – de nenhuma maneira o Estado poderá ser visto como aliado absoluto da parcela menos favorecida da sociedade, já que a ordem social que produz tal desfavorecimento está amparada no poder estatal.

Este tipo de crítica dificilmente pode ser expresso sem imediata taxação de “anarquista” ou “antidemocrático”, e por isso sequer chega a ser pensado ou minimamente levado em consideração, mas se mostra profundo e revelador. Deste ponto de vista, a questão central acerca das crises políticas contemporâneas é permitir que as consciências despertas pela agitação superficial ultrapassem a superfície. Pois o público está contra o povo não apenas porque os políticos nos lesam, mas porque o poder público não está do nosso lado.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 07/10/2007]

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

[NJ] Preconceito e inteligência

PRECONCEITO E INTELIGÊNCIA

Tão importante quanto tolerar diferenças é tolerar preconceitos. Isto, é claro, não faz parte dos discursos da cidadania, da boa vontade, enfim, dos discursos atuais de “salvação do mundo” através do “bom-mocismo”, muito mais preocupados em associar preconceito a pecado. Mas é evidente, talvez evidente a tal ponto que ninguém se dê ao trabalho de dizê-lo: tolerar diferenças inclui tolerar diferenças de pensamento, sendo o preconceito contra o preconceito alheio uma espécie de intolerância como todas as demais.

Antes que alguém proponha me atirar na fogueira, explico: não estou defendendo, nem jamais o farei, qualquer tipo de discriminação. O que estou dizendo é que se alguém tem preconceitos – contra negros, judeus, homossexuais, índios etc. ou, quem sabe, contra dracenenses, descendentes de japoneses, estudantes de direito e marxistas – que os tenha, desde que os guarde para si, isto é, desde que não os coloque “em prática”.

Uma coisa é ter para si um conceito prévio e depreciativo de uma parcela qualquer da humanidade, isto é, ter um preconceito no “pensamento”. Não se pode impedir quem quer que seja – às vezes não podemos impedir nós mesmos – de ter as próprias idéias, mesmo que idéias idiotas. É verdade que as ondas sucessivas de neuroses contemporâneas manifestam, sim, e com freqüência, o desejo de controlar pensamentos, de estabelecer idéias uniformes e “limpas” sobre a igualdade dos homens, mas é absurdo pretender utilizar a lei para obrigar qualquer um a pensar desta ou daquela maneira. Ora, ninguém pode ser obrigado a gostar de ninguém – isto também é evidente. A consciência é uma eterna rebelde que não atende aos comandos de autoridades externas.

Outra coisa, no entanto, é, em função de um preconceito, negar um direito, tratar com desrespeito ou impedir alguém de usar o elevador, de entrar num restaurante, de participar do que quer que seja. Na medida em que o preconceito deixa o pensamento e passa para o “mundo exterior”, deixa de ser apenas uma idéia idiota e se torna uma idiotice mais grave. Isto sim é que não se pode aceitar socialmente. E é aqui que se pode pretender usar a lei: seu papel é obrigar todos a adotar este ou aquele comportamento, punindo quem tomar a via contrária.

Quando, no entanto, o direito é usado para consagrar um preconceito, algo definitivamente parece fora do lugar. Este é bem o caso da controversa sentença que recentemente rejeitou a queixa-crime de um jogador de futebol supostamente homossexual contra um dirigente de futebol que supostamente o ofendeu.

Não vem ao caso discutir o problema da admissibilidade ou não da queixa-crime. E não vem ao caso porque não é o que importa aqui e também porque até o pior dos juristas sabe que a tal decisão tem a mesma juridicidade de uma receita de bolo de abacaxi: seus fundamentos são absurdos, sua construção é arbitrária e sua conclusão é patentemente inconstitucional. O que me importa é o teor de homofobia nela manifesto.

Não creio que o juiz mereça censura pelo preconceito que, ao que tudo indica, tem contra os homossexuais. E insisto nisso mesmo diante da homofobia relativamente grave da sociedade brasileira como um todo e da homofobia ainda mais grave do “mundo do futebol”. Enquanto restar apenas na cabeça do juiz, a homofobia não é problema para ninguém (exceto talvez para o próprio juiz, mas não interessa). O que é censurável – e muito – é ter posto para fora seu preconceito logo numa decisão judicial.

Longe de mim defender o “império da lei” como o que existe de melhor, mas um juiz supostamente deveria decidir com a lei e claramente se percebe que em “É assim que penso... e porque penso assim, na condição de Magistrado, digo!” a lei passou muito, muito longe. Se considerado o caráter necessariamente universal do direito (do contrário, não é direito, é um privilégio), o que esta decisão representa é uma forma de discriminação pretensamente generalizável oriunda de idéias um tanto suspeitas de um único homem.

Defendo que o juiz fique em paz com seus preconceitos, desde que os contenha em limites razoáveis. No entanto, ao colocá-los “em prática” e, mais ainda, colocá-los em prática com o “carimbo” do direito, todos os limites razoáveis foram ultrapassados. Mais do que exposição ao ridículo com a manifestação de um pensamento sumamente retrógrado, mais do que um deslize em sua condição de magistrado, mais do que um absurdo jurídico, o que posso dizer do ato do juiz é que foi algo de pouquíssima inteligência.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 08/09/2007]

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

[jabá] Pachukanis, 70 anos depois

PACHUKANIS, 70 ANOS DEPOIS


(clique para ampliar)

Mais informações: kashiura@gmail.com ou oliva_felipe@yahoo.com.br

Quem puder, apareça...

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

[NJ] Agosto, a máquina e a morte

AGOSTO, A MÁQUINA E A MORTE

“Nada poderia ter sido mais óbvio para as pessoas do começo do séc. XX do que a rapidez com que a guerra estava se tornando impossível. E obviamente elas não se deram conta disso. Não até que as bombas atômicas explodissem em suas mãos impotentes.”
– H. G. Wells

Não faltam em nossa história casos de grandes tragédias de guerra, banhos de sangue, atrocidades incalculáveis. Nenhum, é certo, tão absurdamente simples, direto e instantâneo quanto aqueles que se abateram sobre Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945. Bastaram duas bombas e alguns segundos para dizimar mais de 200 mil pessoas e deixar por décadas entre os sobreviventes um rastro de sofrimento decorrente da emissão de radiação. Foi o ápice da eficiência de um instrumento de terror e de extermínio.

Criar instrumentos para superar a natureza, da pele de animal que aquece e da vara para coletar frutos até o monumento da indústria e da urbanidade, é isso que temos feito desde que surgimos como espécie. Nós, seres humanos, nos tornamos os donos do mundo não porque somos por natureza mais fortes, mais ágeis, sequer mais “evoluídos”. Somos os donos do mundo não porque o conquistamos com as próprias mãos, mas através daquilo que nossas mãos podem criar.

Paradoxal, no entanto, é que a maravilha da capacidade humana de criar sempre ensejou e enseja sempre mais a desgraça da capacidade humana de destruir. Do tacape à espada, da espada à baioneta, da baioneta ao tanque ou do arco à catapulta, da catapulta ao canhão, do canhão ao míssil – a história da tecnologia militar é a claramente a história do homicídio tornado cada vez mais fácil. Mas não é apenas esta a tecnologia da morte. Também a história dos instrumentos que operam para a vida, isto é, para encher o estômago, abrigar, transportar etc., é, para além do deslumbramento do “progresso”, uma história manchada de sangue.

É verdade que o arado revolucionou a agricultura, mas hoje, com a agricultura totalmente mecanizada e o desenvolvimento espetacular dos insumos rurais, há talvez mais gente com fome do que quando se praticava a agricultura mais manual e rudimentar. Assim também na indústria, que avançou da máquina a vapor à linha de produção robotizada, mas hoje encara o fato de que um contingente cada vez maior de pessoas não tem acesso sequer aos bens mais elementares para a sobrevivência.

Se em tempos passados não era possível produzir o bastante para suprir as necessidades básicas de todos, hoje seria possível fazê-lo e com folga. Mas a “lógica” da produção e da distribuição segue outros padrões. O progresso técnico assimilado pelo capitalismo como força produtiva visa sempre excluir e concentrar – para o bem de poucos e, necessariamente, para a desventura de muitos. É sempre atrás do mercado mais rentável, da eliminação do concorrente, da redução dos custos de produção, enfim, da multiplicação do lucro que o progresso corre. Se carências humanas são ou não satisfeitas, se disso decorre vida ou morte, pouco importa.

É possível produzir remédios para quase todas as doenças, mas é sempre preciso pagar por eles, ainda que a outra opção seja o fim. É possível produzir comida para os povos famintos do terceiro mundo, mas é tão mais lucrativo produzir água engarrafada ou roupas “com etiqueta”... Estranho que essa insanidade receba, no mercado, o nome de “Razão” – racional é quem faz a melhor escolha. E para aqueles que são, com muita razão, cada vez mais excluídos do maravilhoso mundo do consumo na direta proporção em que a gama de coisas dadas ao consumo se amplia resta o epíteto de preço pela glória da racionalidade humana.

Agosto sempre fará refletir sobre a banalização da morte e da destruição através da tecnologia, mas é talvez ainda mais urgente ter ciência de que, sem estrondo e sem clarão, isto se agrava diariamente. Sem salário, porque substituídos por máquinas, e sem dignidade, porque dignidade neste mundo é algo que se compra (geralmente com o salário), os excluídos são a prova de que o instrumento, criado para servir ao homem, acabou tornando o homem seu refém.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 05/08/2007]

domingo, 15 de julho de 2007

[NJ] O mal do higienismo

O MAL DO HIGIENISMO

Dia desses me meti numa dessas reuniões de CONSEG (Conselho Comunitário de Segurança). Não é algo que ousaria recomendar aqui, exceto àqueles cuja paciência excede o normal, o que não é o meu caso. Mas calhou ter ido, por algo que presenciei. Depois de longas (e em sua maioria infrutíferas) discussões, surgiu uma sobre os mendigos do bairro. Uma moça exaltada reclamava da sujeira, do mau cheiro e da “poluição visual” representada pelos moradores de rua, cobrando uma “solução” definitiva e urgente por parte das autoridades. Uma representante da prefeitura, sã, tentou argumentar dizendo que os moradores de rua são de “carne e osso” e portanto não podem ser simplesmente “jogados numa fornalha”. Mas a moça insistia, parecia realmente querer vê-los queimar vivos. Então, para pôr fim ao bate-boca, um delegado que também integrava a mesa aduziu que, “não sendo ilícito residir na via pública”, nada podia ser feito, visto que “infelizmente existe o direito de ir e vir”.

Julgo ser desnecessário comentar a opinião do delegado. Ela apenas representa o retrógrado, a persistência de um pensamento autoritário e antidemocrático que ainda é mais comum do que se pensa. A opinião da moça, por outro lado, revela um problema hodierno e cada vez mais freqüente – talvez até mais grave, precisamente por soar mais tolerável: o higienismo.

Não que o higienismo seja coisa nova. Pelo contrário. Trata-se de uma idéia fixa típica da burguesia, desde os seus primórdios. Por onde anda, o que veste, o que come, o que fala e até o que pensa: o burguês sempre quer fazer do seu mundo um mundo limpo, desinfeto, asséptico. É o reflexo do autocontrole, da personalidade fixa, da retidão absoluta. Ao contrário do nobre, de sangue azul, que com a ralé se relaciona como azeite com água, o burguês, de sangue comum, precisa, por uma questão de conservação do seu “eu”, se diferenciar dos que estão abaixo. Daí a limpeza como caminho de vida, como “status”, como fator que distingue.

Mas o higienismo não se comporta com o mesmo comedimento que exige. Num estalo de dedos ele se torna obsessão e se espalha como o toque de Midas, que tudo quer fazer reluzir. Nem parece que estamos falando da mesma civilização que no final do medievo era adepta da prática de esvaziar penicos pela janela. Que ainda no início do séc. XX se espantava com os “excessos” da higiene pessoal dos imigrantes japoneses. A verdade, porém, é que o higienismo não trata de não produzir sujeira, mas sempre de não vê-la, não tocá-la, comportar-se como se ela não existisse. Paradoxal, no mínimo, em tempos nos quais produzimos poluição e dejetos em volumes inacreditáveis. Talvez o óbvio não seja tão óbvio assim: o caminhão do lixo e o cano de esgoto não fazem milagres, apenas levam a sujeira para longe de quem a produz.

Exacerbada, esta velha prática de varrer o pó para debaixo do tapete conduz a dois grandes exageros. O primeiro deles é a compulsão de “higienizar” tudo até onde a vista alcança. A cidade de São Paulo está cheia de exemplos: a Praça da Sé, a Praça da República e parece que o próximo alvo será a região da “cracolândia”. Os métodos são sempre os mesmos: cuida-se de embelezar o cenário, jamais de resolver seus problemas. É uma “higiene” que muitas vezes destrói especificidades locais (o Mercado Municipal é o maior exemplo). Maquiagem que só disfarça imperfeições. Na realidade, os problemas são apenas empurrados para um outro lugar: para debaixo da ponte, para a periferia, para a favela, para o raio que os parta.

O segundo grande exagero é estender o higienismo até as pessoas, isto é, pretender qualquer espécie de “limpeza social”. De fato, há apenas um passo entre uma coisa e outra. Não causa incômodo que exista pobreza, miséria, vida degradada – o que incomoda é tê-las diante dos olhos. Daí o desejo de tirar os mendigos do caminho – mas não de buscar as causas do problema. Daí os muros dos condomínios subindo mais e mais alto para não deixar ver a desgraça alheia do lado de fora – afastar, jamais distribuir. Daí a discriminação quanto à condição social, o índio sendo queimado em Brasília, a doméstica sendo espancada no Rio de Janeiro etc.

Limpeza social implica tratar pessoas como lixo – quando lixo mesmo é essa idéia tacanha e preconceituosa que se espalha sorrateiramente, muitas vezes sem que seus adeptos tomem consciência de suas conseqüências. O higienismo é o mal, o verdadeiro mal que cumpre esterilizar.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 08/07/2007]

domingo, 17 de junho de 2007

[NJ] Hyakunen

HYAKUNEN
“Ao longo daquela longínqua estrada
Percorrida por vocês, imigrantes,
No caminho difícil e vencido,
Oh! Quantas vezes até agora
Têm os ipês florescido?”
– Imperatriz Michiko
A imigração japonesa para o Brasil está prestes a completar seu centenário. 99 anos atrás, em 18 de junho de 1908, o navio Kasato Maru aportou em Santos trazendo a primeira leva de trabalhadores japoneses para a lavoura brasileira. Foi o início de um fluxo migratório que trouxe do Japão para o Brasil cerca de 250 mil imigrantes e resultou numa população hoje estimada em 1 milhão e 300 mil japoneses e nipo-descendentes.

É provável que jornais e emissoras de TV logo tragam matérias especiais exaltando a data e que festas regadas a tempurá e yakissoba logo tenham lugar. Para além disso, pouco ou vão será o esforço de lembrar os percalços encarados pelos japoneses ao longo da longa estrada que percorreram – percalços que não só revelam a verdade dramática de uma história romantizada, mas que também ensejam reflexões ainda hoje necessárias.

Os japoneses que deixaram o Japão no início do séc. XX foram o “preço” pago pelo “progresso”. O governo japonês se empenhava em transformar a sociedade ainda semifeudal do país numa sociedade moderna. No meio do caminho havia um excesso de população, especialmente de população rural, para o qual não havia lugar nos planos então traçados de um “novo Japão”. A saída foi incentivar a emigração de todas as maneiras possíveis, especialmente através de subsídios à viagem e de altos investimentos em propaganda governamental.

Mas esses japoneses que o Japão não quis logo descobriram que a propaganda de seu governo era, para dizer o mínimo, “exagerada”. Chegando aqui, eles se depararam com uma realidade ainda mais atrasada do que aquela que as autoridades de seu país queriam superar. Logo de cara tinham que enfrentar condições de habitação, alimentação e trabalho que lhes pareciam bizarras. Passavam mal com a comida, muitas vezes não suportavam o calor. Nos piores casos, havia condições de vida as mais insalubres, doenças desconhecidas, exploração extrema. Seus hábitos eram incompreendidos (a religião e a higiene pessoal, por exemplo). E, além de tudo, não conseguiam se comunicar: o idioma parecia uma barreira intransponível e os condenava ao isolamento.

Enumeradas, as dificuldades que enfrentaram não foram diferentes daquelas pelas quais imigrantes de outros países também passaram – a diferença foi de intensidade. Brasileiros e europeus compartilhavam um mesmo lastro cultural; os japoneses, contudo, pareciam alienígenas perto dos ocidentais. Esta também deve ter sido a opinião das autoridades brasileiras, que a partir de 1934 começaram a impor restrições à entrada de novas levas de japoneses no país e a baixar medidas abertamente racistas. Muitos temiam a miscigenação com um povo considerado “geneticamente inferior”. A “pureza racial” era parte do ideal de “progresso” de certos setores do governo brasileiro à época – novamente, agora do outro lado do mundo, os japoneses estavam no caminho.

Piorou muito com o início da 2ª Guerra Mundial. O uso do idioma japonês chegou a ser proibido e verdadeiros “campos de concentração” chegaram a ser criados para conter o “perigo amarelo”. Quando a guerra terminou, o conflito eclodiu no interior da colônia: aqueles que aceitavam a derrota do Japão foram perseguidos por grupos de nacionalistas radicais. Entre 1946 e 1947 foram 23 assassinatos, o primeiro deles em Bastos e a maior parte dos outros em cidades da região. Esquisitos, inimigos de guerra e agora terroristas: o conflito rendeu péssima imagem aos japoneses e fez crescer a antipatia dos brasileiros. Antipatia que também gerou incidentes, o mais grave em 1946 em Osvaldo Cruz, quando, em meio a uma revolta, a população tentou linchar os japoneses.

Levou anos para as feridas cicatrizarem. Enquanto isso, sonhos de retorno à pátria sendo deixados de lado, os japoneses foram fincando raízes no Brasil. Mas os imigrantes japoneses trarão consigo para sempre o estigma de provas vivas de que o “progresso” e a “modernidade” são feitos às custas de vidas humanas. E para sempre deverão ser lembrados, acima de tudo, pela perseverança e pela valentia com que sobreviveram.

[Publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 10/06/2007]
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terça-feira, 15 de maio de 2007

[NJ] C2H6O

C2H6O

“Quando você encontra algo agradável, você vai em frente e faz, e só se pergunta sobre o que fazer com aquilo depois de ter alcançado o sucesso técnico.”
– J. R. Oppenheimer

Está claro, pelo que conhecemos de nossa própria história, que o avanço tecnológico sempre foi realizado às custas da degradação ambiental. Tanto que hoje, como contraponto ao espetáculo tecnológico alcançado pela humanidade, a continuidade de tal avanço pura e simplesmente levanta a ameaça de destruição total do meio ambiente – conseqüentemente, da própria humanidade.

Na realidade, isso que vivemos perseguindo e que chamamos de “progresso” ou de “desenvolvimento” é um processo cego. Visa sempre a maior eficiência do meio, a maior produtividade, a maior lucratividade, mas jamais considera os fins. Até agora, se seu preço foi a destruição da natureza ou o sacrifício dos homens, então destruição e sacrifício foram pagos invariavelmente. Mas chegamos a um ponto limite. Pavimentando a estrada para nossa própria aniquilação, chegamos a um lugar onde já é possível vislumbrar o ponto de chegada. Só então se impõe a constatação de que é preciso puxar o freio.

A recente visita do presidente dos EUA ao Brasil é bastante significativa a esse respeito. Os avanços relacionados à utilização de combustíveis renováveis não foram, até aqui, ditados pelo fim de reduzir a poluição ou evitar o esgotamento do petróleo, mas pelas boas fatias de mercado convenientemente abertas por pretensas preocupações ambientais. O carro que polui menos, o motor que ajuda a evitar o efeito estufa – belos apelos publicitários! Só que isso já não basta. O plano de aumentar a produção e incrementar a utilização do álcool revela uma já consolidada consciência de que é necessário colocar a questão ambiental em primeiro plano.

Mas que ninguém se engane! Se é verdade que a questão ambiental está deixando de ser um mero engodo, também não é como preocupação com a proteção da natureza que ela está se firmando. Trazer o problema ambiental para a linha de frente não implica buscar meios de parar a destruição do meio ambiente: o que se quer é continuar tendo meio ambiente para destruir. Em outras palavras, o que se quer não é preservar a natureza, mas preservar o capitalismo, mais especificamente o capitalismo em sua feição atual. A questão do álcool é, portanto, parte da questão de como continuar dispondo de natureza para sustentar o “progresso” cego, em toda sua volúpia, com todos os seus efeitos exploratórios e destrutivos.

No mais, é preciso pensar nas conseqüências sociais do “boom” do álcool. A despeito da euforia das autoridades públicas, no saldo, os efeitos negativos tendem a superar os positivos. Não é novidade para ninguém: crescimento econômico jamais significou melhor distribuição de renda. Além disso, a produção de cana-de-açúcar em amplíssima escala, especialmente diante das perspectivas de mecanização, provavelmente vai gerar desemprego, intensificação do êxodo rural, crescimento de favelas e áreas urbanas marginalizadas do gênero, aumento dos índices de criminalidade etc.

Claro que a possibilidade de abocanhar a quase totalidade do mercado mundial de álcool é economicamente interessante – mas é preciso olhar para a outra face da moeda. E isso vale especialmente para nós, que estamos no olho do furacão. Dia após dia, com velocidade espantosa, pastos e plantações são substituídos por cana e mais cana. “Progresso”, será mesmo? Ou pensamos estar plantando cana para colher ouro, quando, na verdade, estamos semeando dentes de dragão?

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 06/05/2007]

quinta-feira, 10 de maio de 2007

[surtos e paranóias] Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam

ANNUNTIO VOBIS GAUDIUM MAGNUM: HABEMUS PAPAM

Cheguei a ter a impressão, por algum tempo, de que os conservadores estavam tímidos com o fato de serem conservadores. Parecia tão "fora de moda" ser de direita - aliás, tão fora de moda como ser radical de esquerda - que os conservadores faziam discursos tímidos, empolavam seus argumentos, disfarçavam suas posições. Mas isso acabou. Eles perderam a vergonha a tal ponto que agora até resolveram se denominar Democratas. (Se eles são os Democratas, que deus nos livre dos Republicanos!)

Àqueles que ainda têm alguma dúvida, "anuncio-vos uma grande alegria: temos um papa" para deixar claro que os conservadores voltaram com tudo. O Santo Padre se deu ao trabalho de vir de Roma até aqui para lembrar a todos os católicos que tudo que não é conservadorismo é pecado.

Teologia da libertação? Silenciem-nos!

A teologia da libertação - com a qual, fique claro, eu não concordo - merece pelo menos respeito por ser a revolta, em nome da fé e do dogma da igualdade espiritual dos homens, contra a injustiça social absurda que se mostra cada vez mais crua diante dos olhos de todos. Tamanha injustiça não pode ser "coisa de deus", mas os conservadores não a toleram. O problema, para eles, não é a religião fazer política - a Igreja nunca teve nada contra a religião se meter na política. O problema é que os padres da teologia da libertação estão jogando do lado errado...

Falam em legalização do aborto? Excomunguem-nos!

Que a questão da legalização do aborto deveria ser uma discussão laica é até bem óbvio. Ninguém pretende obrigar as beatas católicas a abortar, mas submeter todas as mulheres à lei do catolicismo definitivamente não é razoável: trata-se de dar a elas uma opção, que elas podem simplesmente rejeitar por questões de fé. Mas os conservadores não são razoáveis. O apego irracional ao princípio é sua ferramenta de trabalho. A questão dos fetos anencéfalos está aí para provar: o espetáculo bizarro que é obrigar uma mulher a carregar por 9 meses um feto que terá sobrevida de 9 segundos é absolutamente secundário, o que importa mesmo é o princípio da defesa da vida...

A verdade é que as "autoridades católicas" nunca deixaram de lado a saudade dos velhos tempos em que mandavam no mundo - tempos em que exterminar os infiéis e queimar os hereges na fogueira não tinha nada a ver com o respeito pela vida humana, esta dádiva do criador. Se a fé fosse só fé, ninguém teria nada a dizer contra ela, mas a fé é feita e representada por homens e eles estão sempre querendo meter o nariz onde não devem.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

[surtos e paranóias] A estranha dialética do catolicismo

A ESTRANHA DIALÉTICA DO CATOLICISMO

“Quando uma árvore é considerada não mais simplesmente como árvore, mas como testemunho de uma outra coisa, como sede do mana, a linguagem exprime a contradição de que uma coisa seria ao mesmo tempo ela mesma e outra coisa diferente dela, idêntica e não idêntica. Através da divindade, a linguagem passa da tautologia à linguagem. O conceito, que se costuma definir como a unidade característica do que está nela subsumido, já era desde o início o produto do pensamento dialético, no qual cada coisa só é o que ela é tornando-se aquilo que ela não é. (...) Mas essa dialética permanece impotente na medida se desenvolve a partir do grito de terror que é a própria duplicação, a tautologia do terror.”
(Adorno – Horkheimer, Dialética do esclarecimento, p. 29)

Ser ou não ser? À clássica questão do enlouquecido Hamlet, nós, os loucos dialéticos, respondemos: ambos – e ao mesmo tempo! Pois negar o princípio da identidade da lógica clássica é nosso ponto de partida: para nosso intelecto insano e nosso olhar distorcido, tudo que é só pode ser precisamente através do que não é. E logo aqui, de onde partimos, já começa nossa incompreensão.

Nós vemos o ser não sendo e o não-ser sendo. Nós vemos coisas sendo o que são e o que não são. Vemos árvores que são mais do que árvores, sendo árvores através do que não é árvore. Nossos opositores, talvez ainda um tanto atordoados com nossa loucura, então nos perguntam: como é possível que a árvore que vejo, que toco, que cheiro, – e quem sabe – que ouço e que degusto, a árvore tal como dada ao meu “intelecto conceituador” são e equilibrado, seja não-idêntica a ela mesma? Ora, árvore é árvore!

Que não se enganem! Nós, os loucos, não estamos negando a realidade e não estamos vendo o transcendente em todas as coisas! Somos mais “realistas” do que os “realistas”, porque aquilo que queremos da realidade é aquilo mais que não se apresenta aos nossos olhos e ouvidos, que não se mostra sob a luz magnânima do intelecto conceituador – aquilo que, apesar de real, os “realistas” desprezam. E quanta diferença faz! Ah, se eles soubessem!

Mas se a árvore que era e não era árvore, que era árvore e sede do mana ao mesmo tempo, já era prenúncio da dialética, então também os comprometidos com o transcendental podem experimentar, ainda que incipientemente, um pouco de nossa loucura. Os católicos, por exemplo, comem pão que não é pão e tomam vinho que não é vinho – pão que é carne e vinho que é sangue. Portanto pão e vinho que, como pão e vinho, são portadores da “substância divina” e, assim, já não são pão e vinho. O pão que todos os meus sentidos dizem ser pão e o vinho que todos os meus sentidos dizem ser vinho são, na verdade, não-idênticos a si mesmos. Quem diria! Dialéticos? Logo eles?

A diferença é que para nós, os loucos assumidos, basta que a dialética mantenha seus pés no chão. Assim é que a dialética se torna uma força de superação – pois se, ao invés da árvore, olhamos para a sociedade, o que vemos é um todo cheio movimento, de contradições internas, que não cessa de querer ser o que não é. A estranha e incipiente “dialética” do catolicismo, pelo contrário, quer tirar os pés do chão, quer pular da terra para o céu e assim não faz mais do que reproduzir o mesmo horror da duplicação que apavorava os primitivos. Não é mais do que a “dialética” da impotência e da submissão do homem de carne e osso diante do desconhecido (o desconhecido da natureza, do destino, da morte, tanto faz) que, descarnado e sublimado, recebe dos homens o nome de “deus”.

[NJ] Desiguais, consumidores e juristas

DESIGUAIS, CONSUMIDORES E JURISTAS

“Se é claro que a produção oferece o objeto do consumo em sua forma exterior, não é menos claro que o consumo põe idealmente o objeto da produção, como imagem interior, como necessidade, como impulso e como fim.”
– Karl Marx

Juristas costumam ser pessoas pouco simpáticas à inovação; ainda assim, de tempos em tempos se sentem sufocados num mar de tecnicismos antiquados e se vêem obrigados a deixar que “novos ares” adentrem seus domínios. Como conseqüência, logo após cada inovação quase sempre se segue uma onda de superestimação do “novo” – até que, de novo, o “novo” seja transformado em tecnicismo. É o caso do direito do consumidor.

Esse ramo talvez já nem seja a “vedete” do momento, mas o motivo da empolgação ainda bastante viva dos juristas em geral a seu respeito (embora alguns civilistas mais tradicionais continuem pouco receptivos) é a pretensa “ruptura”, nele realizada, da igualdade formal absoluta entre consumidor e fornecedor. “Ruptura”, nesse caso, significa o seguinte: o direito reconhece que, numa relação jurídica específica, há uma desigualdade pré-avaliada entre uma parte “mais poderosa” e outra “menos poderosa”, oferecendo certa proteção a esta última. Em outras palavras, nada além do que o direito do trabalho, décadas antes, já consagrara quanto à relação entre capitalista e trabalhador.

Mas o que não se costuma levar em consideração é o que há por trás desse reconhecimento de desigualdades e até onde esse reconhecimento se estende. Certo é que esse “ar fresco” não surgiu pura e simplesmente da “cabeça quente” de ninguém. Suas raízes estão fincadas muito mais fundo.

A realidade na qual surge o direito do consumidor é a da exclusão permanente do trabalho do processo produtivo. O problema já não é, como na idade de ouro do direito do trabalho, garantir que o trabalhador não deixe de levar sua força de trabalho até a máquina: é a máquina que substituiu, e substitui cada vez mais, o trabalhador. Excluído da produção, o trabalhador está também excluído da circulação: sem salário, como consumir? E o capitalismo engendra assim, por si mesmo, uma nova crise: sem consumidores, de que servem as máquinas que sozinhas produzem mais, melhor e mais barato?

Se já não é possível produzir para um mercado universal – porque há um contingente crescente de excluídos do mercado – a alternativa para manter o fluxo econômico e as taxas de lucro é levar os que podem consumir a consumir cada vez mais. Não por acaso tanto se fala que vivemos numa era de consumismo desmedido, de consumo insaciável de coisas de utilidade efêmera: disso depende a sobrevida do capitalismo.

O direito do consumidor aparece aqui não como dádiva ou progresso, mas como necessidade. Se alguma desigualdade é reconhecida entre fornecedor e consumidor, não é porque não deve existir desigualdade de poder econômico: é porque o excesso de poder não deve obstruir o consumo. Se alguma proteção é oferecida ao consumidor, não é porque ele é o “menos poderoso”: é porque ele deve consumir mais. Os que estão fora do universo do consumo estão também fora dessa – e, em verdade, de qualquer outra – proteção.

O limite da “ruptura” com a igualdade jurídica formal é que as desigualdades tornadas visíveis mantenham invisíveis as desigualdades essenciais. Reconhecer que o consumidor é a “parte fraca” na relação de consumo: isso é possível – reconhecer que alguém pode ser a “parte fraca” em todas as suas relações sociais: isso é possível? Se pensarmos que os ramos em que a tão exaltada “ruptura” é consagrada são o direito do trabalho e o direito do consumidor – portanto produção e consumo, duas esferas essenciais ao capitalismo – fica claro que esse superficial reconhecimento de desigualdades apenas faz com que as desigualdades profundas e essenciais da sociedade capitalista funcionem melhor...

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 06/04/2007]

[NJ] Sem terra, sem direito

SEM TERRA, SEM DIREITO

Santos ou pecadores, vítimas ou opressores, os sem-terra têm a peculiaridade de despertarem esperança e temor na mesma medida. Para aqueles que anseiam por mudança, os sem-terra personificam a capacidade de, contra tudo e contra todos, fazer valer a indignação, a resistência, a ação. Para aqueles que, pelo contrário, temem a mudança, os sem-terra representam o potencial de desordem que ameaça a ordem estabelecida.

Que direito têm eles de tomar a propriedade alheia? – argumentam seus opositores. Ora, de um ponto de vista estritamente jurídico a resposta é simples: nenhum direito. O proprietário detém o título de propriedade privada, ainda que improdutiva sua terra. Se o poder público possui, sob o pretexto da “função social” da propriedade, a prerrogativa de expropriá-lo para promover a reforma agrária, isto é outra questão – os sem-terra permanecem, diante daquela senhora vendada, meros turbadores da lei. O duelo se dá entre o “supremo” direito de propriedade, constitucionalmente assegurado e fartamente esmiuçado pelo direito civil, e o absoluto não-direito.

Falar em algo como um “direito” dos sem-terra só é possível se tomamos a palavra “direito” num sentido diferente. Os sem-terra são o produto de uma ordem social injusta, de um esquema de distribuição de terras que simplesmente exclui tudo que não se rende ou não interessa ao domínio do capital. Negar-lhes o direito a terra implica reconhecer que são obrigados a consentir com a injustiça, isto é, implica reconhecer que, além de despossuídos, socialmente excluídos e desamparados, os sem-terra não têm outra opção senão silenciar e aceitar sem resistência sua condição miserável.

Contudo, sendo mais do que mero direito à sobrevivência, sendo “direito” de produzir apesar do capital, “direito” de contrariar o capital e toda a ordem social nele fundada, o “direito” dos sem-terra a terra não é, nem pode ser, reconhecido como direito em sentido formal. Isto porque, embora decidido politicamente, o direito é a exclusão da política: ele encarna a universalidade e a segurança, em oposição à oportunidade e à conveniência da política. E a reivindicação dos sem-terra é precisamente uma reivindicação política.

Qualquer semelhança entre o “direito dos sem-terra” e o “direito de greve” não é mera coincidência. No início do capitalismo industrial, as greves firmaram-se como principal instrumento de reivindicação dos trabalhadores. Eram uma afronta direta ao capital e por isso encontravam violenta repressão por parte do Estado. Assim como no caso dos sem-terra, negar aos trabalhadores o “direito de greve” implicava condená-los à resignação, implicava reconhecer aos capitalistas o poder de submetê-los às mais inumanas condições de trabalho, sem resistência.

Após décadas de luta, um direito formal de greve começou a ser positivado nos mais diversos países. No entanto, foram estabelecidas as seguintes restrições: para ter amparo legal, a greve deve se limitar a reivindicações de caráter profissional (salários, jornada, férias, etc.) e não pode obstruir de forma absoluta a produção. Em outras palavras, a greve só é legal se não tem caráter político – se o tiver, o capitalista pode procurar o Poder Judiciário, que declarará a greve abusiva e fará recair sobre os trabalhadores o peso da condição de violadores da lei. O reconhecimento do direito de greve foi, como se vê, mais uma conquista do capital do que dos trabalhadores. Não foi a consagração, mas a “domesticação” da greve.

Exaltá-lo como signo prognóstico de uma mudança social vindoura seria um exagero, mas cumpre reconhecer que o movimento dos sem-terra é, no interior deste misto de capitalismo avançado com coronelismo rural que é a sociedade brasileira atual, um elemento não-domesticado e profundamente incômodo. Em português claro, uma “pedra no sapato” da ordem estabelecida e da classe social por ela beneficiada. E isso mesmo não tendo os sem-terra direito algum... Ou melhor, precisamente por não terem direito algum – é no fato de não terem direito que reside toda a sua força.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 11/03/2007]

[NJ] Direitos... humanos?

DIREITOS... HUMANOS?

“Ninguém fala com mais paixão de seus direitos do que aquele que no fundo da alma tem dúvida em relação a esses direitos. Levando a paixão para o seu lado, ele quer entorpecer a razão e suas dúvidas: assim adquire uma boa consciência, e com ela o sucesso entre os homens.”
– Friedrich Nietzsche

A teoria tradicional diz que os direitos humanos são os direitos inatos do gênero humano, isto é, aqueles que cada um dos membros da espécie humana possui em imediata decorrência de sua condição humana, aqueles que todos os seres humanos possuem pelo simples fato de serem humanos. Mas o que a teoria não responde e o que os defensores dos direitos humanos raramente se perguntam é: quem é esse “humano” do qual decorrem e para o qual se atribuem tais direitos?

Certamente não se trata de adotar aqui o ponto de vista da esquerda humanista, que vê na ampliação e na efetivação dos direitos humanos a salvação do mundo. Pelo contrário, é necessário submeter tal visão à crítica. Mas a uma crítica filosófica séria, não a crítica tosca e ingenuamente antidemocrática do tipo que anda tão em moda entre os “inimigos da bandidagem” da mídia e entre aqueles cuja saudade do autoritarismo de outros tempos persiste.
Quem pensa que os direitos humanos só devem ser aplicados aos “humanos direitos” comete o absurdo de julgar a si mesmo como “mais humano” do que os outros – aos desviantes, marginais, criminosos, enfim, aos “menos humanos”, o isolamento, o tratamento cruel, ou, quem sabe, um número tatuado no braço e a câmara de gás. De outro lado, quem vê nos direitos humanos uma “tábua de salvação” ignora a realidade subjacente ao discurso, uma realidade pouco menos terrível do que a câmara de gás.

A dupla e paradoxal incongruência na qual incorrem os direitos humanos é a de serem ao mesmo tempo abstratos demais e concretos demais. São abstratos demais por submeterem todo e qualquer ser humano a um mesmo modelo de “homem em geral”, ao qual é atribuído o mesmo rol de direitos: o homem vivo, de carne e osso, que é um ser único e que integra sua própria realidade de forma também única, não aparece aqui. O empresário e o operário, o branco e o negro, o católico e o muçulmano, o milionário e o mendigo, todos são, por esse ponto de vista, “homens em geral”, portadores dos mesmos direitos à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade, etc. Para azar de todos, as peculiaridades, as dificuldades específicas e as necessidades reais de cada um são pura e simplesmente deixadas de lado.

Mas os direitos humanos são também concretos demais: apesar da sua universalidade aparente, o “homem em geral” tem sua origem bem determinada. No jogo do mercado, aquele que é livre e igual, que se porta como proprietário abstrato, despido de suas peculiaridades de homem vivo e real, é o proprietário do capital, o burguês. É para ele, e tão-somente para ele, que os direitos humanos fazem total sentido. Para os demais, tomar parte nos direitos humanos significa tomar parte na grande máquina do capitalismo. A atribuição abstrata de igualdade, liberdade e propriedade não torna ninguém realmente igual, livre e proprietário, mas apenas garante a participação de todos na grande esfera da circulação de mercadorias – só que sem mercadoria alguma, exceto a mercadoria à qual cada um foi reduzido.

Para o burguês, os direitos humanos não garantem nada que ele já não tenha. Para os demais, esses direitos não significam outra coisa senão jogar o mesmo jogo dos proprietários do capital, mas sem capital. Para os não-proprietários, liberdade e igualdade não são outra coisa senão dominação e exploração – todos livres e iguais, para que possam vender os únicos bens de que dispõem: o próprio corpo, a própria alma.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 04/02/2007]

[NJ] Dianteira e contra-mão

DIANTEIRA E CONTRA-MÃO

“Tu quoque, Brute, fili mi!”
– Júlio César

A velha lição cristã diz que “os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos”. Um crítico radical da sociedade capitalista espera ansiosamente pela ascensão dos “últimos”, mas a verdade é que a história do séc. XX e deste início do séc. XXI parece mostrar que apenas a segunda parte da máxima se confirma: ora ou outra, os “primeiros” é que acabam sendo rebaixados.

Um dia, os judeus foram os primeiros. Enquanto as luzes da ordem feudal se apagavam, eram eles que, por velhas trilhas, de feira em feira, de cidade em cidade, carregavam o capitalismo ascendente nas costas, disseminando o comércio pela Europa. O judeu mercador, o judeu banqueiro, o judeu usurário: figuras prototípicas, autênticos modelos do indivíduo burguês moderno, portador abstrato de direitos, sujeito econômico isolado. Na infância do novo modo de produção, eles foram, sem dúvida, pajens muito dedicados.

Gratidão, no entanto, é algo que não se pode incluir entre as qualidades do capitalismo. Se saltamos alguns séculos, encontramos os judeus vítimas do mesmo modo de produção que ajudaram a difundir. Sempre foram comerciantes, sempre estiveram no mercado, razão pela qual sua imagem foi longamente associada à vertente mercantilista do capitalismo. Mas e quando o próprio mercado deve ser deixado para trás? Quando o assim chamado “capitalismo de Estado” nazista pretendeu substituir o “anárquico” mercado pela “ordem” estatal, os judeus, outrora pioneiros, se converteram na encarnação do obsoleto, do retrógrado, do entrave ao desenvolvimento da nação. Da dianteira da história, passaram à contra-mão. A eles foi atribuída toda a culpa que vagava “sem dono”, sobre eles recaiu todo o ódio que se acumulava sem descarga. Em nome do progresso e da razão, eles deveriam ser eliminados. Foram, por fim, conduzidos a Auschwitz...

Hoje semelhante inversão se repete, ainda que seja outra sua vítima. Enganam-se os adeptos da tese de que a humanidade aprendeu e evoluiu com as atrocidades do seu passado. O “novo” capitalismo também tem seus inimigos da vez, que nem sempre foram inimigos.

Também os muçulmanos estiveram, um dia, na dianteira. Enquanto os europeus se fechavam nos feudos, foram eles que mantiveram a arte do comércio viva. Foram eles que preservaram grande parte da antiga cultura ocidental, que desenvolveram as técnicas de navegação, que alcançaram progressos notáveis na matemática. Séculos depois, quando o feudalismo europeu iniciou sua decadência, foi a partir do comércio com os muçulmanos que Veneza e Amalfi construíram seus impérios, que mercadorias voltaram a ser intercambiadas e que moeda voltou a circular em larga escala. Mesmo o direito comercial romano, ainda hoje base do nosso direito comercial, foi em sua maior parte conservado pelos muçulmanos, que o legaram via Bizâncio, e posteriormente reintroduzido entre os “herdeiros de Roma” da Europa, onde há muito havia sido esquecido.

O contato com os muçulmanos foi, portanto, condição para a retomada da atividade mercantil na Europa; a partir daí a burguesia cresceu, se consolidou, se tornou rebelde, se tornou revolucionária: assim foi aberto o caminho para o capitalismo. Mas agora isso pouco importa. Para o “novo capitalismo” de hoje, o da globalização, os muçulmanos representam o antiquado, o entrave que deve ser sacrificado. No mundo do capital sem fronteiras, da extinção do trabalho, da uniformização cultural, aqueles que não estão dispostos a abrir mão de suas tradições e de seu modo de vida em geral, que não estão dispostos a aceitar uma posição submissa no cenário internacional, são a máxima inconveniência. O muçulmano assume então o lugar do alienígena, do opressor, da ameaça: o fundamentalista, o machista, o terrorista; em suma, o bárbaro. Ao muçulmano toda a culpa, sobre ele todo o ódio... Os muçulmanos estão agora na contra-mão do “novo”: para seguir adiante, a grande máquina do capitalismo não hesitará em esmagá-los.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 06/01/2007]

[NJ] Educar para quê?

EDUCAR PARA QUÊ?

“O ambiente em que é educada tende a tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos olhos um número mínimo de possibilidades. O indivíduo é tratado por seus educadores como sendo algo novo, mas que deve se tornar uma repetição.”
– Friedrich Nietzsche

A educação no Brasil é um problema. E, como desde há muito se sabe, um problema grave. Aparece diariamente na grande mídia, nos debates acadêmicos, nas conversas de botequim. Tem apelo o bastante para, na última corrida eleitoral, ter servido de base exclusiva para a campanha de um dos candidatos a presidente. Enfim, é uma grande preocupação nacional.

As discussões sobre a questão são sempre centradas sobre os mesmos pontos: a quantidade e a qualidade. Para alguns, o cerne do problema está nos números: a taxa de analfabetismo, o número de vagas, os percentuais de afro-descendentes e de alunos provenientes de escolas públicas nas universidades, etc. Para outros, o problema é de fundo: a preparação dos professores, a adequação das grades curriculares, o rigor no controle de qualidade dos cursos superiores, etc. Cada lado tem sua dose de razão, a despeito de, no geral, serem conflitantes (nesse campo, quantidade e qualidade costumam ser inversamente proporcionais).

Há, contudo, um outro aspecto do problema, usualmente negligenciado: educar para quê? Quero dizer, há também uma deficiência de orientação, de postura, de “filosofia”, no modelo educacional corrente. Verdade é que a educação não serve, ou ao menos não tem servido, para formar sujeitos pensantes, críticos, criativos, mas para fazer cópias em série, seres passivos, depósitos de informação semi-processada.

Para os espíritos mais críticos, mais insubordinados, mais criativos, mais sedentos de conhecimento, que conseguem sobreviver apesar da educação a que são submetidos – o que é raro –, a escola pode ser um verdadeiro martírio. Eles não têm liberdade para escolher o que querem estudar, apenas um currículo totalmente rígido a ser cumprido; não têm autonomia para pensar por si mesmos, apenas a imposição de repetir o que seus mestres lhes transmitem. Mais tarde, quando o estudante pretende ingressar na universidade, encara exames vestibulares que não avaliam capacidade de raciocínio, senso crítico, perspicácia, mas tão-somente poder de reter e repetir informações. Uma vez aprovado, essa será a virtude dele exigida: a universidade o encara como um “saco” que guarda informações sem processá-las, engole sem digerir. É apenas por iniciativa do próprio saco, quer dizer, do próprio estudante, que a universidade pode ser aproveitada de outras maneiras (e é grande mérito de uma universidade deixar entreaberta, ou ao menos destrancada, a porta para tal possibilidade).

A finalidade primordial da educação deveria ser produzir emancipação, isto é, fornecer ao jovem os meios para ir além da clausura das visões dominantes e do pensamento pronto, para encontrar por si seu lugar na realidade da qual faz parte, para avaliar as possibilidades de modificar esta realidade. Hoje, no entanto, a educação está voltada para outro fim: o mercado. A própria educação se tornou um grande e lucrativo negócio. Trata-se de treinar profissionais adequados e não de formar pensadores: ou produz em larga escala “apêndices de máquina” semi-conscientes, muito adequados à função de apertar os botões e puxar alavancas sem ponderar muito a respeito, ou produz indivíduos qualificados estritamente de acordo com as demandas do mercado. Ao invés de fomentar o desenvolvimento de potencialidades, de incentivar uma postura ativa perante a realidade, a educação cuida de reduzir o novo ao velho, de colocar a massa original e única de todo jovem nas mesmas fôrmas de sempre. Sem se considerar isso, de nada adianta uma educação quantitativamente mais abrangente ou qualitativamente mais satisfatória: estaremos apenas formando mais e melhores cópias.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 02/12/2006]