sexta-feira, 20 de abril de 2007

[NJ] Direitos... humanos?

DIREITOS... HUMANOS?

“Ninguém fala com mais paixão de seus direitos do que aquele que no fundo da alma tem dúvida em relação a esses direitos. Levando a paixão para o seu lado, ele quer entorpecer a razão e suas dúvidas: assim adquire uma boa consciência, e com ela o sucesso entre os homens.”
– Friedrich Nietzsche

A teoria tradicional diz que os direitos humanos são os direitos inatos do gênero humano, isto é, aqueles que cada um dos membros da espécie humana possui em imediata decorrência de sua condição humana, aqueles que todos os seres humanos possuem pelo simples fato de serem humanos. Mas o que a teoria não responde e o que os defensores dos direitos humanos raramente se perguntam é: quem é esse “humano” do qual decorrem e para o qual se atribuem tais direitos?

Certamente não se trata de adotar aqui o ponto de vista da esquerda humanista, que vê na ampliação e na efetivação dos direitos humanos a salvação do mundo. Pelo contrário, é necessário submeter tal visão à crítica. Mas a uma crítica filosófica séria, não a crítica tosca e ingenuamente antidemocrática do tipo que anda tão em moda entre os “inimigos da bandidagem” da mídia e entre aqueles cuja saudade do autoritarismo de outros tempos persiste.
Quem pensa que os direitos humanos só devem ser aplicados aos “humanos direitos” comete o absurdo de julgar a si mesmo como “mais humano” do que os outros – aos desviantes, marginais, criminosos, enfim, aos “menos humanos”, o isolamento, o tratamento cruel, ou, quem sabe, um número tatuado no braço e a câmara de gás. De outro lado, quem vê nos direitos humanos uma “tábua de salvação” ignora a realidade subjacente ao discurso, uma realidade pouco menos terrível do que a câmara de gás.

A dupla e paradoxal incongruência na qual incorrem os direitos humanos é a de serem ao mesmo tempo abstratos demais e concretos demais. São abstratos demais por submeterem todo e qualquer ser humano a um mesmo modelo de “homem em geral”, ao qual é atribuído o mesmo rol de direitos: o homem vivo, de carne e osso, que é um ser único e que integra sua própria realidade de forma também única, não aparece aqui. O empresário e o operário, o branco e o negro, o católico e o muçulmano, o milionário e o mendigo, todos são, por esse ponto de vista, “homens em geral”, portadores dos mesmos direitos à igualdade, à liberdade, à segurança, à propriedade, etc. Para azar de todos, as peculiaridades, as dificuldades específicas e as necessidades reais de cada um são pura e simplesmente deixadas de lado.

Mas os direitos humanos são também concretos demais: apesar da sua universalidade aparente, o “homem em geral” tem sua origem bem determinada. No jogo do mercado, aquele que é livre e igual, que se porta como proprietário abstrato, despido de suas peculiaridades de homem vivo e real, é o proprietário do capital, o burguês. É para ele, e tão-somente para ele, que os direitos humanos fazem total sentido. Para os demais, tomar parte nos direitos humanos significa tomar parte na grande máquina do capitalismo. A atribuição abstrata de igualdade, liberdade e propriedade não torna ninguém realmente igual, livre e proprietário, mas apenas garante a participação de todos na grande esfera da circulação de mercadorias – só que sem mercadoria alguma, exceto a mercadoria à qual cada um foi reduzido.

Para o burguês, os direitos humanos não garantem nada que ele já não tenha. Para os demais, esses direitos não significam outra coisa senão jogar o mesmo jogo dos proprietários do capital, mas sem capital. Para os não-proprietários, liberdade e igualdade não são outra coisa senão dominação e exploração – todos livres e iguais, para que possam vender os únicos bens de que dispõem: o próprio corpo, a própria alma.

[publicado no NOVO JORNAL de Dracena-SP em 04/02/2007]

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