domingo, 2 de maio de 2010

[Crítica Social] Sobre a "Lei do Photoshop"

SOBRE A “LEI DO PHOTOSHOP”

Foi notícia nos últimos dias o projeto de lei, atualmente em discussão no Congresso Nacional, cujo objetivo é tornar obrigatória a inclusão de um texto de aviso nas peças publicitárias que utilizarem fotografias manipuladas digitalmente. Com a “lei do Photoshop” – assim apelidada em função do software comumente utilizado para a edição das imagens – seria necessário incluir aviso em caso de fotos retocadas – entre outras coisas, pode-se alterar cores, suprimir marcas, reduzir ou aumentar as dimensões de partes do corpo etc. –, informando que a aparência física da pessoa retratada foi modificada.

Parte da polêmica decorre diretamente do fato de que hoje praticamente todas as peças publicitárias teriam que trazer o tal aviso. O tratamento digital das imagens é corriqueiro no mundo do marketing – a modelo absolutamente perfeita, afinal, não está dada na realidade, por isso precisa ser “corrigida” com auxílio da tecnologia para então servir de garota-propaganda ideal (e irreal) para o que quer que se esteja querendo vender. Mas além desta “preocupação”, que talvez não diga respeito senão às agências de publicidade, há algo muito mais grave, do ponto de vista social, manifestando-se aqui.

O absurdo da consciência distorcida e coisificada pelo consumismo desenfreado que impera na sociedade contemporânea aparece na “lei do Photoshop” em duplo sentido e com dupla intensidade. Em primeiro lugar, porque a imagem e o próprio corpo humano são reduzidos pelo consumismo a mercadorias como quaisquer outras. Mercadorias que circulam, são vendidas e consumidas como quaisquer outras. Mercadorias que precisam adequar-se aos padrões de exigência do mercado como quaisquer outras – e que, portanto, precisam atrair a todo custo o desejo de consumo do outro, ainda que apenas pela aparência, tal como a embalagem do sabão em pó ou do molho de tomate nas prateleiras dos supermercados. Isto, aliás, explica não só porque retoques via Photoshop são tão necessários nas fotos para publicidade, mas também, ao menos em parte, porque as cirurgias plásticas têm se banalizado e se multiplicado tão vertiginosamente nos últimos tempos.

Em segundo lugar, o consumismo sem limites se manifesta na “lei do Photoshop” porque esta não traz, no fundo, nada além de mais um direito do consumidor. Afinal, se a imagem e o corpo são mercadorias, àquele que as consome deve ser assegurado o direito de receber aquilo pelo que pagou, quero dizer, o direito de “não levar gato por lebre”. A imagem retocada digitalmente, que retrata, no fim das contas, um ser humano que não existe para além dela mesma, deve ser rigorosamente identificada, para que o seu consumidor saiba o que está consumindo. Trata-se do reconhecimento – cínico ou não – de que a relação do consumidor com a peça publicitária, inclusive com o ser humano que nela se retrata, é apenas e tão-somente uma relação mercantil.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 28/04/2010.]

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