terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

[Crítica Social] Sobre as chuvas

SOBRE AS CHUVAS

Não houve, durante as últimas semanas, um dia sequer em que os destaques dos noticiários não tenham sido os danos causados pelas chuvas abundantes. Na cidade de São Paulo, as chuvas bateram marcas históricas para o mês de janeiro e há bairros inteiros alagados desde dezembro último. No estado de São Paulo como um todo, o número de mortos e desabrigados em função de deslizamentos de terra, inundações e outras decorrências da chuva só faz crescer. Noutros estados, sobretudo das regiões sudeste e sul, a situação não é diferente.

A explicação para tanta chuva tem vindo e virá, é evidente, dos mais diversos fatores naturais imagináveis: El Niño, La Niña, aquecimento das águas ou dos mares neste ou naquele ponto, convergência de frentes quentes ou frias neste ou naquele sentido etc. E, seja lá qual for o fenômeno natural apontado, a explicação deve ter sentido e deve ser reputada correta – os meteorologistas certamente sabem o que dizem. Mas a explicação natural (físico-química, meteorológica, o que for) não “explica”, por assim dizer, a questão como um todo.

Ainda que a desmedida das chuvas seja ocorrência inteiramente natural – o que não é de todo certo, pois é muito provável que a atuação predatória do homem sobre o meio ambiente tenha sua parcela de responsabilidade –, estragos, mortes e demais danos decorrentes não podem ser reputados pura e simplesmente à movimentação das massas de ar. É necessário considerar muitas outras questões – questões eminentemente humanas.

Por exemplo: a ocupação desregrada de muitas das áreas das grandes cidades. É isto, muito mais do que as chuvas propriamente, que leva aos deslizamentos de terra e às inundações, e que, portanto, explica o grande número de vítimas. Trata-se de uma questão de planejamento urbano e, mais ainda, de um indicativo das disparidades crescentes da sociedade brasileira atual: o processo de favelização está intimamente relacionado à exclusão social e a sua solução não pode ser dada sem enfrentamento direto às incongruências estruturais desta sociedade.

Outro exemplo: o descaso do poder público com relação a áreas potencialmente perigosas quando das chuvas intensas. Sabe-se, a princípio, que o ambiente urbano, com solo quase integralmente coberto por concreto e asfalto, sem áreas verdes em proporção adequada, é especialmente suscetível às chuvas. No caso de cidades cortadas por rios, o risco é ainda maior. Mas há áreas que sabidamente sofrem alagamentos, encostas que periodicamente desabam, sem que nenhuma providência seja tomada. Todo ano é a mesma coisa: as autoridades políticas alegam “surpresa” diante do excesso de chuvas, mas, no ano seguinte, na mesma época, estranhamente tudo se repete e o argumento não muda. A catástrofe tem agenda pronta, mas ninguém tenta evitá-la.

Chuvas demais? Sim... Mas a natureza não pode ser eternamente culpada por aquilo que é de nossa responsabilidade.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 03/02/2010. DIÁRIO (Dracena-SP), 06/02/2010.]

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