terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

[Crítica Social] PNDH e realidade brasileira III – memória e verdade

PNDH E REALIDADE BRASILEIRA III – MEMÓRIA E VERDADE

Nas últimas semanas, tenho discutido aqui o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) e as resistências à sua realização. Nas edições anteriores, tratei mais detidamente das questões da reforma agrária e da liberdade de imprensa, sobretudo com o intuito de demonstrar quais os interesses reais por detrás das posições críticas da grande mídia brasileira acerca do PNDH. Hoje, para encerrar a série, tratarei das propostas relativas ao direito à verdade.

No seu eixo VI, em especial na diretriz 23, o PNDH propõe a apuração e o esclarecimento público das violações aos direitos humanos decorrentes de repressão política, ocorridas sobretudo no período da ditadura militar. Estipula a criação de uma comissão incumbida de investigar e divulgar a verdade – ainda lamentavelmente desconhecida – sobre torturas, extermínios e demais graves violações aos direitos humanos dadas sob o autoritarismo implantado pelo golpe de 1964.

Houve, de imediato, resistência de parte do alto comando dos militares brasileiros (incluindo ameaças de demissão) e de segmentos políticos abertamente conservadores, com forte repercussão em parte da mídia – por “coincidência”, sobretudo nos veículos suspeitos de terem contribuído com a ditadura no passado. A exigência levantada foi de que as investigações tenham por alvo não apenas autoridades públicas, mas também os grupos que lutaram contra a ditadura.

É absurdo, no entanto, confundir as violações praticadas pelos agentes da ditadura militar com as ações dos movimentos que lutaram contra ela. Em primeiro lugar, porque violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos e com apoio do Estado, aqueles que deveriam zelar por tais direitos, são muito mais graves do que aquelas cometidas por civis. Em segundo lugar, porque a violência pró-ditadura foi deliberada para a conquista e a perpetuação do poder, mas a violência eventualmente praticada por aqueles contrários à ditadura deveu-se, não raro, a uma imposição de sobrevivência diante da repressão armada e permanente.

O governo Lula infelizmente cedeu e elaborou um novo decreto que deixa margem para a investigação de atividades de civis no período da ditadura. É um passo atrás, sem dúvida. Mas os méritos gerais do programa ainda devem ser reconhecidos. O PNDH nada tem de autenticamente radical e deixa ainda a desejar em vários pontos, mas traz avanços importantes e inéditos no Brasil, merecendo apoio dos setores políticos, intelectuais e movimentos sociais verdadeiramente comprometidos com uma sociedade mais equânime e uma vida mais digna para todos os brasileiros.

Em verdade, as resistências à realização de um simples plano de direitos humanos escancaram muito da realidade brasileira atual. Passadas décadas desde a abertura política, o “clima” geral da recepção ao PNDH em muito se assemelha à recepção do plano das reformas de base de João Goulart, deixando claro que resquícios do mais ultrajante autoritarismo político repousam tranqüilamente entre nós, mesmo sob a fachada da democracia formal.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 27/01/2010. DIÁRIO (Dracena-SP), 31/01/2010.]

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