quinta-feira, 22 de março de 2012

[Crítica Social] Direito igual, sociedade desigual

DIREITO IGUAL, SOCIEDADE DESIGUAL

“O direito, por sua natureza, só pode consistir na aplicação de um padrão igual de medida; mas os indivíduos desiguais (e eles não seriam indivíduos diferentes se não fossem desiguais) só podem ser medidos segundo um padrão igual de medida quando observados do mesmo ponto de vista, quando tomados apenas por um aspecto determinado, […] todos os outros aspectos são desconsiderados.”
– Karl Marx, Crítica do programa de Gotha

O direito, diz Marx, é (e só pode ser) uma medida igual. Esta igualdade constituída pelo direito, que não se estende para além do próprio direito, tem por chave um aspecto determinado dos indivíduos, pelo qual são tomados pelo direito: este aspecto é dado pela figura abstrata da personalidade jurídica, constitui-se sob a forma do sujeito portador de direitos e deveres.

A forma das relações jurídicas tem por base real as relações de circulação de mercadorias. O aspecto determinado e abstrato pelo qual cada indivíduo é interpelado juridicamente é, em suma, o aspecto determinado e abstrato pelo qual cada indivíduo aparece na troca de mercadorias: como proprietário em potencial. A figura do sujeito portador de direitos e deveres é a faceta jurídica do sujeito portador de mercadorias, que se coloca no mercado diante de todos os outros portadores de mercadorias como um “igual”.

Mas a igualdade dos homens sob a condição abstrata de proprietários em potencial não significa senão uma igual “capacidade” para ser proprietário: não significa, em nenhum sentido, uma efetiva “distribuição” igual da propriedade. A igualdade sob um aspecto, com exclusão de tudo mais, é uma igualdade que se sobrepõe apenas abstrata e formalmente a toda uma infinidade de desigualdades. Em especial, esta igualdade jurídica apenas abstrata se sobrepõe a toda a desigualdade de classe inexorável da sociedade capitalista. Precisamente a desigualdade que o modo de produção capitalista tende a aprofundar sem cessar é aquela que não pode transparecer no interior da forma necessariamente igual do direito.

A medida igual do direito permite assim que a relação essencialmente desigual que caracteriza a produção capitalista, a relação de exploração do trabalho pelo capital, apareça como uma relação de igualdade. O trabalhador e o capitalista aparecem como portadores de direitos iguais. Um é proprietário dos meios de produção. O outro, despossuído de tudo, é proprietário apenas de si mesmo, apenas de sua força de trabalho. Mas ambos são, perante o direito, proprietários, pouco importando qual seja a propriedade. Como proprietários, um não possui nenhum direito que o outro também não possua. A exploração e a desigualdade de classe aparecem, no fim das contas, como juridicamente legítimas.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 21/03/2012.]

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