domingo, 5 de setembro de 2010

[Crítica Social] O “politicamente correto” e o seu preço


[André Dahmer. Malvados. Fonte: www.malvados.com.br]

O “POLITICAMENTE CORRETO” E O SEU PREÇO

Impressiona como as mentes brilhantes e inquietas a serviço do mercado são capazes de converter toda a ideologia do “politicamente correto”, tão em voga ultimamente, em publicidade. Impressiona porque não há nada, a rigor, menos “politicamente correto” do que grande capital no seu movimento voraz e cego de lançar incessantemente mercadorias à circulação – e, ainda assim, cada mercadoria individual, que carrega em si o germe do fim do mundo, consegue ser apresentada ao público consumidor como uma pequena e instantânea dose de salvação.


Ora, se o discurso do “politicamente correto” precisa clamar contra a destruição do meio ambiente, contra o trabalho infantil, contra o cigarro, contra a embriaguez ao volante etc. é porque, antes de tudo, o grande capital, na sua avidez por multiplicar-se, não hesita consumir recursos ambientais e poluir desmedidamente, apelar às formas mais indignas de cooptação de trabalho mal pago ou vender as coisas mais insalubres e destrutivas imagináveis. Mas o capital é tão versátil que, mesmo sendo a causa última dos problemas, consegue utilizá-los para promover ainda mais as suas mercadorias. Tudo aquilo que, nas peças publicitárias e nas prateleiras dos supermercados, apresenta-se como “ecologicamente correto” ou “sustentável”, tudo aquilo que traz estampado o selo “produzido sem mão-de-obra infantil” ou que se proclama “saudável”, “orgânico” ou engajado em programas sociais de qualquer tipo, tudo isso, afinal, vende mais.

O paradoxo está dado diante dos olhos – se não o enxergamos é porque vivemos mesmo numa era de cegueira coletiva. Os cosméticos fabricados à custa da degradação da Amazônia são vendidos como “amigos do meio ambiente”. A empresa que importa roupas produzidas na China com trabalho semi-escravo apresenta-se como “amiga da criança”. A indústria do cigarro inclui, na própria embalagem dos seus produtos, publicidade contra o fumo, enquanto adiciona qualquer nova substância no próprio fumo para torná-lo ainda mais viciante. Ou seria por mero acaso ou modismo que todos os grandes bancos, enquanto assistem às suas taxas de lucros batendo recordes, querem abrir um “centro cultural” próprio? Ou seria por pura boa vontade que as grandes detentoras dos veículos de comunicação brasileiros promovem periodicamente campanhas sociais?

O discurso do “politicamente correto”, por melhores que sejam as suas intenções, é rapidamente assimilado pelo grande capital e, a seguir, revertido. O sumamente “incorreto” vende-se travestido – e o consumidor, que não sabe como lidar os próprios anseios por mudança senão consumindo, compra as mercadorias estampadas com o selo hipócrita da salvação imaginando comprar a própria salvação. O caminho da mudança, contudo, não é, nem jamais poderá ser, o mercado – é, só pode ser, a luta, o enfrentamento, a política.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 01/09/2010.]

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