quinta-feira, 29 de setembro de 2011

[Crítica Social] Novela, propaganda e mundo real


NOVELA, PROPAGANDA E MUNDO REAL

A novela repleta de personagens endinheirados e felizes, que vivem em mansões como se isto fosse absolutamente usual, que não têm horário de trabalho e nada mais com que se preocupar senão o par romântico e as “maldades” do vilão que tenta separá-los. A propaganda que massacra a todos indistintamente com o imperativo do consumo, que repete sem piedade que não há inclusão sem consumo, que não há felicidade sem consumo, que não há humanidade sem consumo. E o mundo real, duro e inescapável: uma sociedade desigual e, no geral, pobre – sociedade em que ninguém, exceto uma pequeníssima minoria, pode viver uma vida de protagonista de novela e em que têm sorte aqueles que podem consumir o mínimo necessário à sobrevivência.

Maquiado para esconder “imperfeições” e saturado com cores e luzes que não possui, naturalizando situações que de modo algum são naturais e escondendo o que há de pior e mais arbitrário na sociedade presente, o mundo da novela e da propaganda é inverdade como tal, distorção escancarada, mentira deliberada. O mundo da novela e da propaganda, o mundo tal como apresentado pela grande mídia, é, para dizer o mínimo, um delírio – mas um delírio cuja repercussão não pode ser ignorada.

Para a classe trabalhadora, em relação à qual a novela e a propaganda não contêm nenhuma verdade, o delírio televisionado é ao mesmo tempo fuga da dura realidade. A glorificação da mercadoria pela propaganda alimenta um devaneio impotente de ascensão social – que, na verdade, contribui apenas para a exata manutenção da estratificação social presente, na medida em que o consumismo que desencadeia não é senão seu combustível. E o sofrimento amoroso da personagem principal, na narrativa ruim e previsível da novela, é pura e simplesmente amenidade frente à estafa do trabalho degradante e à pobreza sem perspectivas.

Para as assim chamadas classes médias e altas, no entanto, o delírio da novela e da propaganda atende perfeitamente a um desejo, em geral inconsciente, de desconhecer a realidade social. Pois a vontade de acreditar na própria condição social como “normal”, desconsiderando a profunda desigualdade que a torna possível, desconsiderando que a imensa maioria da população não tem acesso ao mesmo padrão de vida e de consumo, encontra seu mais puro reflexo na mentira deliberada que a grande mídia repete sem cessar.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 28/09/2011.]

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