quinta-feira, 22 de setembro de 2011

[Crítica Social] “Liberdade versus igualdade”?


“LIBERDADE VERSUS IGUALDADE”?

Explicar a história contemporânea como uma luta entre liberdade e igualdade, entre uma liberdade que desiguala e uma igualdade que oprime: haverá ainda neste mundo um ponto de vista menos adequado que este? Haverá ainda alguma forma mais eficaz de não compreender a história?

É possível, não há dúvida, pensar a história de muitas maneiras: pensar a história como uma luta entre idéias é, no entanto, a maneira mais superficial e mistificadora de fazê-lo. As idéias não caem diretamente do céu sobre as cabeças de alguns “iluminados” que as difundem na terra, mas têm suas raízes firmemente fundadas numa sociedade determinada, num conjunto de relações de produção determinado, em vista de interesses políticos determinados. É muito mais razoável dizer que as idéias nascem da história do que o inverso. São homens concretos, por sua ação, dentro dos limites e possibilidades fixados pela estrutura social e econômica de cada tempo, que movem a história. Afirmar que as idéias o fazem, pura e simplesmente, seria o mesmo que afirmar que a realidade nasce do puro pensamento – como se da imaginação prodigiosa de uma criança o arco-íris pudesse passar realmente a conduzir a um tesouro ou como se o armário pudesse passar realmente a esconder um monstro.

No mais, é no mínimo que curioso que as duas idéias em suposto confronto sejam precisamente a liberdade e a igualdade. Os velhos ideais da Revolução Francesa, como revolução burguesa por excelência, não apareceram naquele momento da história por puro acaso: traduziam exigências inadiáveis em vista da ascensão definitiva do capitalismo. Pois “igualdade” não significa aqui senão equivalência formal perante o direito, universalização da igual capacidade de portar direitos – isto é, a igualdade jurídica que se fundamenta na troca de mercadorias e que se apresenta como condição para toda a desigualdade de classe intrínseca ao capitalismo. E “liberdade”, por sua vez, não significa senão a liberdade para dispor da propriedade, a liberdade para a troca de mercadorias, isto que também se chama de “autonomia privada” e que inclui, para cada um dos sujeitos tornados iguais perante o direito, a possibilidade de dispor de si mesmo como mercadoria – de vender-se como se fosse uma coisa, como força de trabalho posta à mercê do capital, condição para multiplicação permanente deste.

A suposta “luta” entre liberdade e igualdade não pode ter, portanto, outro “cenário” senão o capitalismo, só pode ser uma “luta” interna à sociedade do capital. Por isso uma história movida pelo confronto entre liberdade e igualdade só pode ser uma história que não se move para além de limites muito claros: os limites da produção capitalista. Assim, uma “leitura” da história que pretende apresentá-la como “luta” entre tais idéias não apenas repete um idealismo ingênuo: o idealismo é só um disfarce “civilizador” para uma estreitíssima posição conservadora que, ao que parece – e com razão –, tem vergonha de se apresentar como o que de fato é.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 21/09/2011.]

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