quinta-feira, 15 de setembro de 2011

[Crítica Social] Privilégio e direito


PRIVILÉGIO E DIREITO

Ao que parece, o debate sobre o caráter dos assim chamados “direitos de minorias” não está inteiramente superado. Há quem ainda defenda que são “privilégios” e que, nesta condição, nenhum grupo deveria ser “agraciado” de tal maneira: nenhuma minoria deveria ter um direito “especial”, uma proteção específica ou algo semelhante, porque esta minoria passaria então a gozar de “mais” direitos do que todos mais.

É necessário questionar, a esse respeito, se os “direitos de minorias” constituem efetivamente uma desigualação ou se, ao contrário, buscam a restituir uma igualdade jurídica que se encontra originalmente violada.

Quando, por exemplo, verifica-se que a ordem jurídica brasileira, por meio da lei 7716/89, considera crime a discriminação por “raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, mas não leva em consideração a discriminação por “orientação sexual”, como justificar uma tal desigualdade? Nesse sentido, a criminalização da homofobia pode ser considerada atribuição de “privilégio” a uma minoria ou, pelo contrário, não é senão a extirpação de uma desigualdade até agora perpetuada através do direito?

Ou ainda, quando se verifica a enorme desproporção entre a parcela afro-descendente da população brasileira e parcela afro-descendente da população universitária brasileira, sobretudo no que diz respeito às universidades públicas, algo parece profundamente desigual. Assim, mecanismos de ação afirmativa, como os sistemas de cotas raciais, de fato representam “mais direitos” para este grupo social ou apenas uma tentativa de correção de uma desigualdade já profundamente arraigada?

Essas lutas, como tantas mais das tantas “minorias” que conhecemos, no fundo não são mais do que lutas pela realização do direito que já existe. Embora difíceis e importantes, não são lutas pela transformação radical da sociedade presente, não são revolucionárias no sentido autêntico do termo, não exigem senão aquilo que o direito presente já contém: o princípio da igualdade jurídica.

Não são, portanto, “causas impossíveis”, são, com certeza, difíceis, mas perfeitamente possíveis. Por isso mesmo, para os horizontes políticos da esquerda não podem ser mais que pequenas conquistas – se é que serão conquistas –, porque não vão além das possibilidades já dadas aqui e agora. A igualdade (meramente) jurídica é uma determinação do capital e a sua incompletude é, na sociedade do capital, um “desvio”. Se, ainda assim, são lutas árduas, se há ainda grande resistência, é sinal de quão pouco aberta esta sociedade é – e de quanta força dispõem as perspectivas políticas mais conservadoras, preconceituosas, irracionais.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 14/09/2011.]

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