quinta-feira, 1 de setembro de 2011

[Crítica Social] Sobre “ser bem atendido”

SOBRE “SER BEM ATENDIDO”

A classe média brasileira parece ter uma obsessão por ser “bem atendida”. Parece ter especial apreço por exigir do garçom, do vendedor, do funcionário em geral que lhe preste o “melhor” atendimento, prestativa e cortesmente. Parece ter especial apreço por exigir sempre mais atenção, educação, boa vontade – mas nem sempre por fazê-lo de modo educado, às vezes sequer decente.
 
O que, no entanto, significa este “ser bem atendido”? Ora, não se trata simplesmente de descortesmente receber cortesia. Não é por acaso, com certeza, que este anseio se volta contra aqueles que, do ponto de vista do mais abjeto esnobismo, estão num “nível social” inferior ao do freguês. O que este freguês deseja não é senão ser “bem servido”, receber o melhor tratamento daqueles que, aos seus olhos, existem apenas para servir-lhe – por isso não hesita exigir reverência e adulação daqueles que encara como seus “serviçais”.
 
A obsessão pelo “bom atendimento” é apenas mais um reflexo de um elitismo absurdo tão enraizado entre nós. Talvez como uma reminiscência de tempos senhoriais ou aristocráticos, talvez simples fruto de doentia necessidade de glorificar a si mesmo através do desprezo pelo outro, este “ser bem atendido” significa reduzir o atendente a capacho e reclamar a prerrogativa estúpida – porém profundamente relacionada a uma sociedade sumamente desigual – de ser servido como o nobre por plebeus, como o senhor por seus escravos, como alguém de “sangue azul” por “meros mortais”.
 
Assim, o que importa ao freguês que maltrata o garçom para exigir ser bem tratado é, no fundo, colocar-se como superior, como se afirmasse por sua ação algo como “eu sou melhor do que você”. O que importa ao cliente que humilha o vendedor é alimentar a patologia de sua própria psiquê que, no delírio egoístico da superioridade, não pode passar sem a humilhação do outro. O que há por detrás destas desprezíveis atitudes é a convicção de que realmente há “superiores” e “inferiores” – ou, o que é mais freqüente, uma necessidade de auto-afirmação, uma necessidade de convencer a si mesmo da “superioridade” própria e da “inferioridade” alheia.
 
O único resultado disto é um reforço perverso de uma estrutura social já suficientemente degradante, uma estrutura social que não pode senão separar homens em “degraus” econômicos: sempre uma minoria no topo, sempre uma maioria na base.
[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 31/08/2011.]

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