terça-feira, 1 de dezembro de 2009

[Crítica Social] Vida e consumo

VIDA E CONSUMO

Uma proposta ousada de diagnóstico do tempo presente. Isto é o mínimo que se poderia dizer sobre “Vidas à venda”, livro original e interessante recentemente lançado pela editora Terceira Margem. Organizado pelo professor da Faculdade de Direito da USP Eduardo C. B. Bittar e pelo poeta e professor universitário Tarso de Melo, o livro é resultado do esforço coletivo de membros do grupo de pesquisa “Democracia, Justiça e Direitos Humanos: estudos de teoria crítica” do Núcleo de Estudos da Violência da USP que buscaram, pela arte (isto é, crônicas, poesias, imagens etc.), dar vazão à necessária crítica da degradação da vida na realidade contemporânea.

Num momento em que, notadamente, o consumismo exacerbado suplanta tudo mais e torna-se o único sentido da existência humana, o livro parece mais do que oportuno. A ninguém é dado, é certo, viver sem consumir, portanto é necessário consumir para viver. Mas quando passamos a viver para consumir, como tem ocorrido hoje, algo profundamente diferente se instalou: esta inversão do meio pelo fim atesta o domínio completo da mercadoria sobre a vida.

Ora, é bem verdade que vivemos num mundo em que se coloca à nossa disposição uma enorme variedade de coisas fantásticas e admiráveis. Coisas que cada vez mais facilitam, embelezam, complementam nossas vidas. E, por isso, é, sem dúvida, muito mais confortável viver hoje do que há 50 anos. Temos comunicação instantânea, transportes velozes, tecnologia de ponta e uma variedade de cores, tipos e formas de produtos à venda numa dimensão antes sequer imaginável.

Mas este mundo de coisas tão fantásticas não é um mundo de liberdade. É um mundo de opressão na medida em que cada um de nós é constrangido a orientar a própria vida à aquisição, posse ou mesmo ostentação dessas coisas. Tudo se rende progressivamente ao consumismo: a educação que cada vez mais se reduz ao consumo da “mercadoria” ensino, a religião que cada vez mais se reduz ao comércio da “salvação” ou mesmo as relações de amizade que cada vez mais se constroem em conformidade com interesses utilitários e profissionais. E o acesso ao consumo se torna, então, o critério derradeiro de “inclusão” social: quem não tem acesso a esta ou aquela mercadoria simplesmente fica de fora, não faz parte, não é contado neste ou naquele grupo social.

Enquanto isso, enquanto as quinquilharias obstruem a nossa percepção da realidade, grassa a desmobilização política, a destruição do meio ambiente e uma absoluta resignação diante da massa crescente daqueles que, na miséria, não têm acesso ao consumo de nada. O consumismo se torna fator promotor das mais diversas modalidades de violência e, ainda assim, nós continuamos rendidos ao fanatismo pelas coisas. Isto porque, no fim, as nossas vidas se reduziram a estas coisas. E, sem que tenhamos clara consciência disso, nossas vidas estão mesmo à venda.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 25/11/2009. DIÁRIO (Dracena-SP), 01/12/2009.]

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