quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

[Crítica Social] Sobre a “reintegração” do Pinheirinho


SOBRE A “REINTEGRAÇÃO” DO PINHEIRINHO

Um terreno de mais de 1.300.000 m² (área correspondente a mais de 260 campos de futebol), onde habitam milhares de famílias (entre 6.000 e 9.000 pessoas, segundo se estima), cujo “direito de propriedade” é de titularidade de uma empresa falida. Esta é, em suma, a situação do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos – palco, no último domingo, de uma violentíssima operação policial de “reintegração de posse”, cujos desdobramentos prosseguem até agora e, ao que parece, prosseguirão ainda por muito tempo.

As imagens chocantes, esfumaçadas pelo gás de efeito moral, que mostram população sendo expulsa de suas moradias – as únicas que possuem e que, em muitos casos, ocupam já há muitos anos – sob a mira de escopetas e sob a vigilância de helicópteros não são apenas uma cabal demonstração de brutalidade e de insensibilidade social. São, na verdade, exemplos muito visíveis, escancarados mesmo, de algo que não é excepcional ou acidental no mundo capitalista. São exemplos do predomínio do interesse econômico sobre tudo mais, da prioridade da acumulação de capital sobre interesses, necessidades e até mesmo a vida da imensa maior parte dos homens.

Basta olhar ao redor. Há “pinheirinhos” se repetindo a todo instante entre nós, nas mais variadas escalas, dos mais variados modos. A população pobre e excluída das grandes cidades brasileiras é sistematicamente perseguida pela “força pública” precisamente por conta da condição de pobreza e de exclusão. A população negra sofre todo o tipo de discriminação enquanto a elite branca acusa programas sociais de eficácia meramente paliativa como os sistemas de cotas de “privilégios”. Trabalhadores da cidade e do campo que, despojados das condições mais elementares para a sua sobrevivência, exigem teto e terra são tratados como “criminosos” pelas classes sociais que acumulam ou vivem do acúmulo de teto, terra e capital.

No caso específico do bairro de São José dos Campos, a tradução jurídica deste conflito aparece como oposição entre um direito de propriedade formal e as carências mais elementares de toda uma massa de não-proprietários que habita o local. E neste estreito campo de ação que é o direito, não pode se esperar outro resultado senão a defesa absoluta da propriedade. Uma tal defesa absoluta não hesita recorrer, em último caso, à violência aberta para alcançar o seu objetivo, sobretudo se tem como vítima uma população pobre. É precisamente numa situação como esta que o interesse econômico privado expõe, sem qualquer pudor, a sua faceta mais autêntica: esmaga tudo que há pela frente, não titubeia em fazer uso do aparelho “público” de coerção em seu favor e não falha em angariar o apoio quase incondicional da grande mídia para a sua causa: a precaríssima e desesperada tentativa de autodefesa dos moradores é, não por acaso, imediatamente noticiada como agressão “injustificada” quando, na verdade, é apenas reação a uma agressão prévia, abusiva e sem sentido.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 25/01/2012.]

Nenhum comentário: