quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

[Crítica Social] Cracolândia sem fim


CRACOLÂNDIA SEM FIM

Prossegue em São Paulo a operação policial de “limpeza” dos dependentes do “crack”. Após a intervenção na assim chamada “cracolândia”, exaustivamente televisionada, as forças estaduais e municipais agora atingem outras áreas nas quais os dependentes têm buscado abrigo. E os dependentes, sem alternativa, são expulsos para cada vez mais longe.

A natureza da intervenção é rigorosamente a mesma desde o princípio. Nada leva a crer que algo mudará. Ao que parece, tudo está bem de acordo com o “modelo” de intervenção social do governo paulista: o “modelo” do cassetete e das balas de borracha.

Trata-se, antes de tudo, de uma operação policial. Não se trata de um programa social, voltado à assistência e à inclusão dos dependentes. Não se trata de uma iniciativa de saúde pública, voltada especificamente ao tratamento e à prevenção da dependência. Não se trata, em suma, de um tipo – qualquer que seja – de intervenção sequer minimamente adequada ao enfrentamento das causas do problema. Apenas os efeitos mais superficiais são combatidos, e de maneira igualmente superficial: o problema é apenas varrido para debaixo do tapete e o meio escolhido para tanto é o uso da força.

Trata-se, por isso mesmo, de uma limpeza – ou, mais especificamente, de uma limpeza social. Tudo que importa é retirar da vista algo que incomoda: a visão da miséria, da desgraça, do estado assombroso de uma multidão inteira de desesperados. Tudo em nome de um ideal asséptico, higiênico e, no fim das contas, elitista que encara tudo que não se conforma aos seus padrões de brancura e asseio com uma patologia “contagiosa” a ser isolada – ou, se possível, exterminada.

Trata-se, por fim, de uma operação contra os dependentes do “crack”. Não há um efetivo enfrentamento do próprio “crack” ou um combate intensificado contra o tráfico da droga. A ação se dirige imediatamente contra os dependentes, contra o alvo mais frágil, mais acessível. Mais precisamente, contra o alvo mais visível: aquele que pode ser notado por todos, que pode ser filmado para aparecer nas transmissões da TV, que pode gerar o saldo político mais adequado à propaganda eleitoral – “o governo que acabou com a cracolândia”.

Mas a ação dirigida contra os dependentes é também aquela mais claramente dirigida ao fracasso. Filmar agora limpas as áreas anteriormente ocupadas por multidões de dependentes de modo algum implica que os dependentes tenham desaparecido. Dispersar os dependentes para que já não se possa vê-los reunidos de modo algum implica diminuir a intensidade do problema. Usar a força contra os dependentes de modo algum implica atingir a distribuição da droga. A perseguição dos dependentes que deixaram a “cracolândia” pode avançar mais e mais, pode avançar até as fronteiras da cidade, apenas para mostrar, como resultado da completa ineficácia de sua proposta, o óbvio: uma “cracolândia” sem fim.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 18/01/2012.]

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