quinta-feira, 16 de junho de 2011

[Crítica Social] Agricultor, terra, capital

AGRICULTOR, TERRA, CAPITAL

Talvez não haja, em toda a extensa cadeia produtiva capitalista, figura mais “antiquada” do que a do pequeno agricultor, aquele que dispõe de uma pequena área de terra – porque proprietário, arrendatário etc. – e produz em pequena escala, de modo quase artesanal, lidando diariamente com a terra, com a sua plantação, com os seus animais. A sua situação é, na realidade, pouco melhor que a do produtor direto (o trabalhador braçal, o operário etc.): o elemento diferenciador é a posse dos meios de produção, no caso a terra e alguns poucos instrumentos rústicos. Mas o modo pelo qual o pequeno agricultor coloca em movimento os seus meios de produção é avesso ao modo que o capitalismo avançado exige. Falta-lhe dinamismo, avidez de lucro...
 
Vejamos. Por um lado, a agricultura industrial, a agricultura em grande escala que assimilou as técnicas empresariais, produz essencialmente para o mercado, focada no valor de troca de seus produtos e voltada à maximização de lucros. No outro extremo, o pequeno agricultor produz tanto para si quanto para o mercado (em geral, só excedentes), produz sozinho ou com a família, produz com foco no valor de uso (um tomate vale como tomate e uma cenoura, como cenoura, não como meros preços) e seu lucro ou não existe ou é mínimo.
 
O pequeno agricultor, no mais, mantém com a terra um vínculo concreto. Seu trabalho diverge, em alguma medida, do trabalho abstrato típico, subjugado pelo capital. Orgulhoso, ele pode, por exemplo, observar as hortaliças colhidas e saber que são o produto de suas mãos e de seu suor. Pode saber que seu esforço resultou em utilidades para saciar a sua fome e a de outros. Pode, como homem concreto, reconhecer a si próprio nos produtos concretos de seu trabalho.
 
Por isso, nas sociedades capitalistas avançadas, o pequeno agricultor é um símbolo do “atraso”. Para usar uma analogia, ele é visto como uma “espécie primitiva” que sobreviveu, sabe-se lá porquê, em meio às “espécies avançadas”. Estas querem a todo custo devorá-lo: e o fazem através de um círculo vicioso que torna o pequeno agricultor cada vez mais dependente do grande capital.
 
Em primeiro lugar, porque o setor agrícola como um todo sofre pressão constante do capital em geral para reduzir suas margens de lucro. Interessa, afinal, que o essencial à sobrevivência dos trabalhadores não custe tanto, para que os capitalistas não precisem aumentar-lhes o salário. E esta pressão, claro, é sentida sempre mais forte precisamente pelos mais fracos: ao forçar para baixo o preço dos produtos rurais, quem perde mais é quem ganha menos.
 
Em segundo lugar, porque a pequena agricultura foi feita incapaz de produzir independentemente do setor financeiro. O agricultor se tornou refém de bancos e seus empréstimos, sem os quais não consegue iniciar um novo plantio, pouco restando que os juros não tomem.
 
Na sociedade capitalista produtivista, consumista, financista, o pequeno agricultor é a contramão, por isso é permanentemente marginalizado e ameaçado de extinção. Mas quando, numa sociedade futura, a opressão do capital tiver chegado ao fim, ficará claro que a sua resistência valeu a pena – porque criou raízes e frutificou.
[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 15/06/2011.]
[Texto adaptado a partir daquele já publicado neste blog em janeiro de 2009.]

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