quinta-feira, 21 de abril de 2011

[Crítica Social] O mito da neutralidade

O MITO DA NEUTRALIDADE

Quer na academia, quer na política, a neutralidade é um discurso batido, cansado, já corroído pelo tempo e pelo uso ruim e reiterado. Um discurso pouco razoável, mas ainda teimoso, ainda incômodo, no qual muitos insistem – e, o que é mais difícil de acreditar, um discurso pelo qual alguns ainda se deixam enganar.

Na academia, a neutralidade é uma das bases daquilo que se entende por método científico. Trata-se, em suma, da exigência imposta ao cientista de não tomar partido em relação ao objeto de sua investigação, para que suas opiniões, sentimentos e idiossincrasias não interfiram nos resultados. Isto como se a relação entre o sujeito que investiga e o objeto que é investigado fosse puramente exterior, como se o cientista realmente estivesse sempre a observar o objeto “de fora”.

Se, no entanto, o objeto de investigação do cientista é social, não há “de fora”. O sujeito que observa não pode colocar-se externamente ao objeto, pois estão ambos intrincados na totalidade social. A sociedade, em certo sentido, observa, pelos olhos do indivíduo aparentemente autônomo, a si mesma. E se ninguém pode ser neutro consigo mesmo, tampouco a sociedade pode.

Já na política, diz-se neutro quem pretende escapar às grandes disjunções ideológicas – direita ou esquerda, conservador ou progressista, liberal ou socialista etc. É uma maneira de colocar-se “de fora” das disputas propriamente partidárias, o que, por sua vez, é uma maneira de tentar agradar a todos indistintamente. Daí os velhos clichês da política da neutralidade: estar acima das ideologias; apoiar o que for de interesse do povo, independentemente da orientação partidária; preocupar-se com o que é melhor para todos, sem perder tempo com rusgas políticas etc.

Mas a neutralidade política não é, veja-se bem, a simples ausência de posição – é a deliberada posição de não ter posição. Exige, na verdade, um grande malabarismo. É possível, no cabo-de-força da política partidária, ser de extrema direita, direita, centro-direita, centro, centro-esquerda, esquerda, extrema esquerda etc. Mesmo assim, há quem prefira (dizer) não ser nada disso.

Como é possível não estar em lado nenhum? É possível ficar “em cima do muro”, “lavar as mãos” – mas quem assim procede por acaso já não escolheu o seu lado? Quem diz não ter lado ou está apenas do seu próprio lado e é, portanto, oportunista, ou prefere manter-se indiferente às coisas como estão e, portanto, contribui com o seu silêncio para manter tudo como está. Pois não ter lado é sempre o mesmo que estar do lado dos vencedores. É consentir tacitamente com o forte esmagando o fraco, com o dominador oprimindo o dominado, com o capital explorando o trabalho.

Quem, no entanto, não quer fechar os olhos para os que não têm voz, os explorados, os excluídos, os pobres e miseráveis, enfim, os derrotados, não pode dizer-se neutro. Na academia ou na política, quem se opõe ao domínio dos vencedores tem que tomar partido – e não pode senão tomar o partido da transformação social.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 20/04/2011.]
[Texto adaptado a partir daquele já publicado neste blog em dezembro de 2008.]

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