quinta-feira, 28 de abril de 2011

[Crítica Social] Estômago ou fantasia

ESTÔMAGO OU FANTASIA

“A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se originam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa.”
– K. Marx, O capital, liv. I, cap. I.

A mercadoria, diz Marx, é a figura elementar do capitalismo. Como forma social da trocabilidade universal, a mercadoria, que é uma coisa qualquer – e, no mundo capitalista desenvolvido, (toda e) qualquer coisa –, precisa ter uma utilidade qualquer apenas como suporte para o valor, apenas porque uma coisa sem utilidade alguma não encontraria o seu equivalente no mercado. Pouco importa, porém, se esta utilidade é efetiva ou apenas imaginária.

Hoje, sem dúvida, diante da galopante ascensão do consumismo, assistimos à completa desmedida da fantasia na criação incessante de novas necessidades. Não há trégua. A tecnologia parece avançar a cada segundo, levando, de tempos em tempos, na verdade em intervalos cada vez mais curtos, ao completo descarte de toda uma leva de aparelhos eletrônicos que precocemente tornou-se obsoleta. O movimento da moda e das “grifes” cria toda uma sorte de necessidades do mesmo, de mais do mesmo, em função de mínimas diferenças de aparência ou pelo simples acréscimo do logotipo de uma “marca” qualquer. Acima de tudo, a indústria cultural e as avançadas técnicas contemporâneas de publicidade convencem-nos acerca da suma necessidade de uma infinidade de coisas sem quais, não fosse a intervenção da propaganda massiva, poderíamos viver muitíssimo bem.

O estômago pode muito bem ficar vazio, a miséria pode ser tanta a ponto de não haver o suficiente sequer para o básico, mas a fantasia, devidamente alimentada por esquemas publicitários rigorosamente planejados, inverte sem pudor o incontornável pelo meramente imaginário. O mesmo capitalismo que exclui e que pauperiza não poupa esforços para arrastar todos ao consumo cego. E o delírio galopante que se manifesta como consumismo sem freio atinge perversamente os menos favorecidos: pior do que ser pobre, pior do que a exclusão social, diz a propaganda, é não ter a quinquilharia do momento, não aderir ao modismo instantâneo, não comprar o que a fantasia exige.

Isto, claro, não acontece por acaso. É a multiplicação do capital que, em última instância, está em jogo. E se, para a mercadoria, não há diferença entre estômago e fantasia, para o capital não faz diferença quem é o consumidor dos seus produtos.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 27/04/2011.]

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