quinta-feira, 14 de abril de 2011

[Crítica Social] Finais infelizes

FINAIS INFELIZES

O “bem” que triunfa sobre o “mal”. O mocinho e a mocinha que, a despeito de todos os percalços, acabam juntos. O mesmo final sempre. A mesma história repetida infinitas vezes: o mesmo desfecho edificante, moralizante, colorido. Todos felizes, sorrisos, alegria, sucesso, tudo sempre acaba bem.

O final feliz é infalível. Isto, ao que parece, é o que a grande indústria do entretenimento – o cinema, a TV ou mesmo a literatura dos “romances” – quer que pensemos. Ela não nos apresenta uma única narrativa em que o “herói” pereça, em que o “bem” desista ou em que o sorriso derradeiro fracasse: o público não espera mesmo algo diferente, todos sabem exatamente o que aguardar e, como sempre, o final feliz, anunciado desde o primeiro momento, retorna inexoravelmente.

A grande indústria do entretenimento sabe, afinal, exatamente o que vender. Sabe exatamente o que os seus consumidores anseiam. A vida para além dos filmes e das novelas já tem infelicidade o bastante. A “vida real” já está cheia de pequenas desgraças diárias, de fracassos e frustrações, de percalços que não podem ser vencidos. No ordinário, no deprimente ou no fracasso da realidade – a dura, duríssima realidade – uma pequena mentira que, por alguns instantes, distraia é uma mercadoria preciosa.

Até que ponto, no entanto, esta pequena mentira é conveniente? Até que ponto esta pequena distração contribui de alguma maneira para o enfrentamento da dura realidade? Se a mentira da ficção parece tornar mais palatável a “vida real”, então certamente ela é mais um problema do que uma solução. Se o final feliz arrefece a indignação contra o insuportável da vida cotidiana, se faz aceitar, ainda que por um minuto apenas, o inaceitável deste mundo, então ele efetivamente não tem sentido.

Por que, afinal, contentarmo-nos com um instante de mentira na ficção se é possível – sempre possível, ainda que não exatamente fácil – transformar a própria realidade? Por que contentarmo-nos com o final feliz como uma falsidade descarada quando é possível agir, na “vida real”, por um final diferente?

O final infeliz – que ninguém espera e que, em certo sentido, a ninguém agrada – tem, por seu turno, o efeito de devolver-nos, como uma bofetada, a dureza do real. Mostra-nos o que deve ser visto, embora não queiramos. Obriga-nos a enfrentar, mais ainda, o insuportável. O final infeliz, em suma, não deixa opção senão encarar a infelicidade de nossas próprias vidas e indignarmo-nos.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 13/04/2011.]

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