quinta-feira, 7 de abril de 2011

[Crítica Social] Empreendedorismo e máquina de refrigerante

EMPREENDEDORISMO E MÁQUINA DE REFRIGERANTE

“Empreendedorismo” tornou-se uma palavra da moda, insistentemente repetida, como uma espécie de mantra do sucesso na administração dos próprios negócios e da própria vida. Ser “empreendedor” tornou-se um imperativo para quem quer que, na competição permanente deste mundo, almeje sair ganhando. Mas o que, afinal, isto significa?

O “empreendedor”, dizem os gurus da moda, é aquele faz acontecer. Isto, é claro, num sentido muito específico: é aquele que arranja os meios de fazer dinheiro, ou melhor, de fazer dinheiro tornar-se mais dinheiro. Portanto, na essência, empreendedor é o capital: valor que se valoriza, que se multiplica, que transforma trabalho alheio em lucro e que, assim, faz acontecer bem ao seu modo.

Quando, no entanto, os gurus pretendem fazer com que trabalhadores sejam empreendedores, isto aparece com sentido inteiramente diferente. Nesse caso, o que se pretende é que o trabalhador assimile – como se pudesse fazê-lo – os fins do capital, aja como se fosse capital, imagine-se capital, como se o trabalhador pudesse ser o seu próprio capital. Mas, ao contrário do capital, o trabalhador não pode multiplicar a si próprio. O trabalhador sobrevive do seu trabalho – não lucra com ele. O seu trabalho não valoriza a si próprio.

Em outras palavras, o trabalhador não pode empreender senão para o capital alheio. Não pode “fazer acontecer” senão para o dinheiro alheio. E isto mesmo quando acredita estar agindo apenas em benefício próprio.

Todo o discurso do empreendedorismo está, nesse sentido, centrado numa ilusão. Por trás de tudo, não está verdadeiramente a proposta de transformar a todos em empresários de si mesmos. Basta que o trabalhador acredite nisto. Basta que o trabalhador pense a si próprio como independente a ponto de atuar como vendedor de uma mercadoria – um produto ou um serviço qualquer – ainda que não faça outra coisa senão vender a si próprio.

O trabalhador é aqui assimilado à máquina de refrigerante. Ele se imagina empreendedor – seu negócio é vender o refrigerante já pronto. Ele imagina seu negócio como lucrativo, assim como quaisquer outros negócios – seu lucro são as moedas depositadas pelo refrigerante. O seu empreendimento, no entanto, é ainda para outro: é o grande capital que, ao tornar o trabalhador um suposto empreender de si mesmo, afastou todos os custos de produção do refrigerante, livrou-se de todas as dificuldades inerente ao processo de fazê-lo e pode agora, com toda a comodidade e até mais barato, comprá-lo já pronto. E este mesmo capital pode, mais ainda, referir-se ao seu fornecedor de refrigerante não mais como empregado, mas como colaborador. Pode dispensar-se da vigia e do controle rigoroso do seu desempenho no horário de expediente: a sede de sucesso do próprio trabalhador-empreendedor cuida disso.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 06/04/2011.]

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