domingo, 25 de julho de 2010

[Crítica Social] Show de horror da vida

SHOW DE HORROR DA VIDA

Uma peculiar mistura de crime, escândalo sexual, violação dos “valores” tradicionais da família e da religião e, mais ainda, um jogador de futebol. A acusação contra Bruno, ex-jogador do Flamengo, caiu como uma luva para grande mídia ainda órfã da eliminação do Brasil na Copa do Mundo e ainda à espera do período mais “quente” da disputa eleitoral, desejosa de qualquer objeto de sensacionalismo. Tornou-se assim uma espécie de romance policial, cheio de suspense e de reviravoltas, apresentado em capítulos diários – algo como uma novela, só que apresentada no noticiário, como um caso (supostamente) real, um reality show de horror.

No entanto, se Bruno é ou não responsável pela morte de Eliza não importa aqui. Discutir tão atentamente uma única acusação de homicídio, apenas porque envolve um esportista famoso, é por si só um absurdo num país em que homicídios ocorrem a todo instante, vitimando sobretudo a população mais pobre. Escandalizar-se com uma única morte violenta é um absurdo onde a violência atinge tantos, sobretudo nas áreas mais marginalizadas, a violência da miséria que não cessa, a violência policial herdeira dos períodos políticos mais autoritários que persiste, a violência do crime organizado etc. Absurdo porque as tantas mortes violentas que ocorrem diariamente ao redor, porque não aparecem na grande mídia, não são discutidas, não nos escandalizam – em verdade, no geral sequer nos preocupam, como se não fossem problema nosso.

O sensacionalismo da grande mídia parece querer apelar ao “pior do homem”, a imagem do criminoso completamente cruel e sem sentimentos usada para chocar e prender a atenção do público. Esquece-se, no entanto, de que não há homem fora da sociedade. Esquece-se de que não há homem “sadio” numa sociedade “doente”. Negligencia-se, assim, por completo, o que há de pior na própria sociedade, na nossa sociedade. A grande mídia “contribui”, deste modo, para que cada um de nós ignore a própria responsabilidade. Culpamos Bruno, culpamos o casal Nardoni, culpamos os “políticos corruptos”, culpamos sempre o “outro”, aquele que mídia expõe como o grande “vilão” do momento, mas a responsabilidade de qualquer destes pela sociedade estruturalmente excludente, violenta, cheia de miséria em que vivemos não é maior do que a de qualquer outro.

A visão simplificadora que apresenta o crime e a violência como produtos da “maldade” humana, frutos de desvios de caráter do indivíduo, é leviana. A desigualdade, a miséria, a exclusão é que produzem a violência. O show de horror da vida não é televisionado, é a vida real. Mas isto não causa sensacionalismo. A postura da grande mídia nos reconduz, se é possível uma tal comparação, ao coliseu. Bruno será jogado aos leões, como tantos antes, como outros serão depois. Em breve, os candidatos às eleições de outubro estarão se enfrentando como gladiadores. E cada um de nós apenas se entretém com a execração alheia enquanto o mundo ao redor desmorona. Somos comprados pelo mesmo pão e circo – se bem que muito mais circo, é verdade – de antes.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 21/07/2010.]

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