segunda-feira, 15 de março de 2010

[Crítica Social] Sobre o "dia da mulher"

SOBRE O “DIA DA MULHER”

Qual o sentido de dedicar um dia às mulheres? Por que esta “homenagem” limitada a um único dentre os 365 dias do ano? Melhor dizendo: por que razão isto é necessário?

Não pretendo com isso levantar qualquer objeção ao reconhecimento feminino. Pelo contrário, penso que nenhum reconhecimento pode ser tido como satisfatório senão o reconhecimento pleno, irrestrito, cabal. E o fato de circular um dia específico no calendário e dedicá-lo às mulheres indica, por si só, que não é isto que ocorre.

O dia das mulheres é, afinal, um dia apenas, um dia de exceção, pois a regra prevalente nos demais dias todos é a da inferiorização da mulher. O “mecanismo” oculto aqui é o da compensação: a grande mídia veiculará homenagens sentimentais às mulheres, os maridos comprarão flores às suas esposas e todos se lembrarão carinhosamente das mulheres em suas vidas. Mas nisto tudo reside, consciente ou inconscientemente, algo de cínico. Pois, no dia seguinte, a mesma grande mídia recorrerá como sempre à imagem erotizada e apelativa da mulher como objeto atrator de audiência, os maridos reconduzirão suas esposas a uma posição submissa na família e as mulheres enfrentarão a mesma discriminação no trabalho e no meio social.

Um dia ao inverso, mas um dia que não inverte efetivamente nada. O intuito real por detrás do dia da mulher não é extinguir ou contribuir para extinguir a dominação da mulher – na verdade, não passa de um pequeníssimo “respiro” que apenas contribui para manter tudo exatamente como está. Quero dizer, o dia da mulher acaba servindo para que a mulher tenha um dia para si, mas não mais: um dia das mulheres para que todos os outros não sejam delas.

Não há de suprimir-se a homenagem, mas também não se deve cair na ilusão de que algo está sendo levado a cabo só por isso. Há dias de homenagem para a consciência negra, para o deficiente físico, para o índio etc., mas nenhuma dessas formas de discriminação desapareceu ou está em vias de desaparecer entre nós. Nenhuma forma de discriminação se perpetua por acaso, como um mero atraso cultural, como algo que se poderia superar pelo simples esclarecimento da população – há sempre um lastro social estrutural que fundamenta a persistência da discriminação.

No caso da discriminação da mulher, há, é evidente, um atávico ranço machista que atravessa a nossa cultura, desde a tradição religiosa judaico-cristã até o masculino como gênero dominante na linguagem. O que permite a perpetuação disto, no entanto, é uma estrutura social para a qual a submissão da mulher é fundamental, na qual elas são forçadas a vender a sua força de trabalho por valor inferior, na qual a igualdade de gêneros não pode passar de promessa jurídica vã.

Acabar realmente com a discriminação da mulher exige mudanças para muito além do calendário. Exige muito mais do que um dia. Exige transformação concreta para superar a estrutura social na qual a mulher é discriminada.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 10/03/2010.]

Um comentário:

Unknown disse...

O conteúdo está bem legal, porém acho que poderia melhorar a formatação da sua redação, ela é enfática e muito objetiva.

Isso é um ponto em comum comigo mesmo, pois percebi que sem florear até certo ponto, por mais correta seja a msg que queira passar, perco não em prender a atenção do leitor, mas penetrar na pessoa o propósito daquilo que escrevo.