segunda-feira, 22 de março de 2010

[Crítica Social] Nem conservador nem idealista

NEM CONSERVADOR NEM IDEALISTA

Há, de um modo geral, entre nós, hoje, uma aversão imediata a qualquer proposta teórica ou política de transformação social profunda. Todo pensamento que não aceita a realidade contemporânea como imutável, que não aceita os seus pontos-chave como “conquistas” da humanidade – a democracia, a ordem jurídica, a liberdade abstrata, a economia de mercado etc. – é imediatamente taxado de imprestável ou mesmo de nocivo. Todo pensamento aceitável precisa estar, então, restrito ao lado de “dentro” da ordem estabelecida, pois a ordem estabelecida não aceita questionamentos que ultrapassem os seus limites estruturais.

Assim, não raro a sociedade presente propagandeia que tudo que importa é o “dar-se bem”, isto é, a capacidade de tirar proveito da ordem estabelecida em favor de si próprio e em detrimento de todos mais. Na melhor das hipóteses, admitem-se incipientes e superficiais tentativas de reforma, geralmente fundadas numa incansável aposta na “boa vontade”, na solidariedade ou no bom-mocismo “politicamente correto” – tornar a democracia mais democrática, reciclar lixo, distribuir renda via bolsa-qualquer-coisa etc. A aposta, é claro, falha invariavelmente...

Dentre as atitudes potencialmente transformadoras, no entanto, há uma estranha tolerância com relação àquelas mais descabidamente utópicas, não raro assumidamente idealistas. Há aparentemente algo de “belo” ou de “admirável” em dizer-se idealista, por maior que seja a desconexão entre tais ideais e a realidade. Tanto assim que dificilmente alguém poderia hoje dizer em praça pública “eu sou revolucionário!” sem enfrentar conseqüências bastante desagradáveis, mas não faltam aqueles que, na mesma situação, diriam orgulhosos “eu sou idealista!”.

Uma tal tolerância talvez seja devida a uma sólida convicção, por parte daqueles que se beneficiam da ordem presente, de que o idealismo mais ingênuo é completamente “inofensivo” aos seus interesses. Este desejo de “mudar o mundo” que não vai além das belas idéias tem, afinal, o efeito de deixar o mundo real intacto. Não é incomum, inclusive, que esta atitude seja encarada, de modo pejorativo mesmo, como tipicamente juvenil, algo que o tempo por si só se encarregaria de dissolver, convertendo esperança em conformismo.

Como, então, nesse contexto, não ser nem conservador nem idealista? Como, neste mundo que só admite ser questionado quando os questionamentos são inofensivos, criticar o núcleo da estrutura social presente? Como ultrapassar as reformas, o “melhorar aos poucos” que não leva a nada, e insistir na busca pela transformação radical? – Em definitivo, os dias não são favoráveis, mas toda a real esperança da crítica reside nesta atitude que, presa entre o martelo e a bigorna, mantém os pés na realidade sem aceitá-la, sem sucumbir a ela, exatamente para transformá-la.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 17/03/2010.]

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