sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

[Crítica Social] Après moi le déluge

APRÈS MOI LE DÉLUGE

A recente conferência da ONU sobre mudança climática, a COP-15, realizada em Copenhague, terminou em fracasso. Na impossibilidade de consenso entre preservação do meio ambiente e desenvolvimento econômico, o acordo final, além de abaixo das expectativas, não foi dotado de exigibilidade nos termos do direito internacional.

Um tal fracasso parece, para dizer o mínimo, o resultado de uma absoluta falta de consciência da urgência das questões ambientais por parte dos líderes mundiais. Diante da ameaça ambiental que se apresenta com cada vez mais clara para todos – através, por exemplo, de desastres climáticos, aquecimento global, elevação do nível dos mares etc. –, a pergunta que imediatamente decorre do fiasco na tentativa de um grande empenho mundial a respeito é: por que alguém deixaria de evitar um colapso ambiental potencialmente destruidor da vida humana na Terra?

A resposta está na própria estrutura econômica mundial. A produção de bens de consumo obviamente não pode realizar-se sem a exploração de recursos ambientais (matérias-primas, energia etc.). Quando, mais ainda, a produção não visa a satisfação de necessidades humanas, ou seja, não visa em primeiro plano dar origem a coisas úteis, mas, como ocorre no capitalismo, visa captar valor e, pela exploração do trabalhador, mais-valor (o que, em última instância, reverte-se em lucro), a relação do homem com o meio ambiente assume contornos bastante específicos.

Se a utilização de recursos ambientais não atende à satisfação de necessidades humanas, isto significa que, na estrutura econômica presente, os homens não retiram recursos da natureza para assegurar a sobrevivência e o conforto dos próprios homens, mas tão-somente para fomentar a multiplicação do capital, o lucro de alguns poucos. E como o capital, núcleo do processo produtivo, não tem outro objetivo senão multiplicar a si mesmo, o consumo do meio ambiente não terá fim, será tão mais voraz quanto possível, pois assim fomentará mais e mais lucro.

Quanto do meio ambiente não se destrói, hoje, para produzir as quinquilharias que inundam as prateleiras dos mercados e das quais simplesmente não precisamos? Quanto não se destrói para produzir a parafernália eletrônica do momento que, daqui a poucos dias, estará obsoleta e irá para o lixo? Isto tudo continuará enquanto essas coisas desnecessárias, a despeito do esgotamento ambiental que ajudam a gerar, continuarem a ser vendidas e a render lucro para alguém. Esta é a “racionalidade” do mercado e é ela que, amparada pela força dos grandes interesses econômicos, leva ao insucesso não só a COP-15, mas todas as tentativas de, sem romper com o capitalismo, evitar o esgotamento completo do meio ambiente.

Não foi à toa que Marx, ainda no séc. XIX, concluiu que a divisa fundamental do capitalista é “après moi le déluge” (depois de mim, o dilúvio) – para o capitalista, não importa que o mundo acabe, desde que ele continue lucrando...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 30/12/2009. DIÁRIO (Dracena-SP), 21/02/2010.]

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