terça-feira, 17 de novembro de 2009

[Crítica Social] História do direito e teatro

HISTÓRIA DO DIREITO E TEATRO

A concepção dominante acerca do que é a teoria e de quais são os seus limites tende a reduzir a arte um mero resultado do acaso e do irracional, portanto algo de que nenhum conhecimento verdadeiro poderia ser extraído. A arte seria, assim, uma espécie de “lata de lixo” do espírito, uma vez que todo conhecimento que não o estritamente racional, esquadrinhado e sistematizado poderia adentrar o hermético e exclusivo campo da teoria.

Isto, no entanto, não passa de imposição de uma racionalidade formal e instrumental que pretende autoproclamar-se a única fonte de todo o saber. Há, sim, muito conhecimento a encontrar nas fronteiras para além da teoria, notadamente na arte. E isto por, pelo menos, dois grandes motivos.

Primeiro, a arte não é um simples produto do devaneio desconectado da realidade. Toda música, pintura, escultura, literatura etc. é sempre produzida por homens muito concretos e reais, sempre num dado contexto social muito concreto e real. Toda arte expressa, portanto, a seu modo, a realidade dos homens por quem foi produzida e da sociedade em que foi produzida.

Segundo, a realidade não é, por si mesma, racional. Assim, a racionalidade instrumental da teoria não é a única abordagem possível da realidade. O que, na própria realidade, transborda os limites da racionalidade escapa à teoria – mas não necessariamente escapa à arte. Ou seja, a arte pode exatamente depor a respeito daquilo que a teoria, limitada que é, não dá conta.

O preconceito teórico contra a arte, no entanto, desconsidera essas questões. E isto se agrava ainda mais numa área teórica tradicionalmente fechada e conservadora como o Direito, na qual quaisquer propostas minimamente críticas ou inovadoras tendem a ser vistas com severa desconfiança. Mas esta desconfiança pode – e deve – ser quebrada.

Aliar o ensino de História do Direito com teatro é algo que, como uma pequena contribuição ao meu alcance, tenho tentado – e com bons resultados. Trata-se de uma proposta interdisciplinar que abre aos estudantes a possibilidade de encarar questões históricas por uma perspectiva completamente diversa da tradicional. Uma perspectiva diversa que, no geral, leva a uma assimilação visivelmente melhor por parte dos estudantes.

Quem duvida, por exemplo, que as peças do teatro grego clássico expressam, de algum modo, algo da juridicidade daquele tempo? A “Antígona” de Sófocles ou “As nuvens” de Aristófanes, por exemplo, trazem claras mostras para a história do direito. Assim também “O mercador de Veneza” de Shakespeare, no qual o direito na Idade Moderna européia aparece claramente retratado. E, daí por diante, muitas e interessantíssimas peças mais.

Por que, então, não colocar a teoria para dialogar com a arte? A história e o direito para dialogar com o teatro?

[Publicação: DIÁRIO (Dracena-SP), 15/11/2009.]

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Na última sexta-feira, dia 6 de novembro, no III Congresso de Iniciação Científica das Faculdades Integradas Padre Albino, obtiveram o primeiro lugar, na área de Direito, as pesquisas “Um grito de esperança” (da Faculdade Barretos) e “História do direito e teatro”. Esta última é desenvolvida por um grupo de iniciação científica, por mim orientado, que reúne estudantes do 1º e 2º anos do curso de Direito das FIPA. A apresentação ficou a cargo de Henrique Brino, estudante do 2º ano e atual presidente do Centro Acadêmico do curso, que muito bem representou o grupo na ocasião.

Iniciada em maio último, a pesquisa sobre “História do direito e teatro”, ainda em suas primeiras fases de desenvolvimento, antecipa assim que pode render bons frutos. O tema original, que associa, de modo interdisciplinar, história, direito e arte, busca romper com uma série de preconceitos longamente arraigados numa área tradicional e conservadora como o Direito. É, afinal, ao contrário do que usualmente imagina o jurista, perfeitamente possível conhecer o Direito por meios outros que não exclusivamente os códigos, os manuais técnicos, as coletâneas de jurisprudência – a arte pode, nesse caso, desempenhar um papel de grande importância, abrindo horizontes amplos e fecundos para os estudantes.

A premiação vem demonstrar esse potencial e, igualmente, coroar a inciativa daqueles que tiveram interesse em levar adiante um projeto tão ousado. De um lado, o coordenador de pesquisa do curso de Direito das FIPA, Camilo Onoda Caldas, e o então coordenador geral do curso, Alysson Leandro Mascaro, que, desde o primeiro instante, acolheram e incentivaram o projeto por mim idealizado. Do outro lado, e com especial destaque, os estudantes do curso de Direito das FIPA, membros do grupo de iniciação científica, que com dedicação e empenho ímpares têm tornado as leituras, discussões e demais atividades de pesquisa sempre profícuas e interessantes.

O grupo “História do direito e teatro” deverá prosseguir, nos próximos meses, essas atividades e aprofundá-las sempre mais. A pesquisa deverá ser ainda apresentada em outros congressos e, ao longo de 2010, deverá se concretizar em publicações científicas que divulguem os seus resultados. A esperança geral é que, ao fim, esta pesquisa possa, nesses tempos sombrios de mercantilização e tecnificação cegas do ensino jurídico, em que tudo que parece importar são as porcentagens de aprovação no exame da OAB, contribuir, na contramão, para manter acesa a chama do pensamento multidisciplinar, aberto e crítico.

[Publicação: O REGIONAL (Catanduva-SP), 11/11/2009.]

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