terça-feira, 27 de outubro de 2009

[Crítica Social] Tecnologia e saber - mercadoria

TECNOLOGIA E SABER - MERCADORIA

Parece ter se difundido, nos últimos tempos, um certo deslumbramento acerca das possibilidades de “democratização” do acesso ao saber através do progresso dos meios de comunicação. A difusão universal da transmissão de TV e a (suposta) popularização da internet estariam introduzindo maneiras de “quebrar” uma antiga desigualdade entre ricos e pobres no acesso à informação e ao conhecimento. Em cima disso, a grande mídia propagandeia sem parar a sua própria popularização e os governos insistem em buscar aumentar seus índices de aprovação com programas de inclusão digital. Mas será mesmo que tanto otimismo se justifica? Vejamos.

A exclusão da informação e do conhecimento é mecanismo longamente aliado da perpetuação das relações sociais de dominação. Quanto mais desinformado o dominado, afinal, mais fácil a vida do dominador. Quanto menos consciente – em especial, acerca de sua própria condição – o dominado, menor tende a ser a resistência oferecida ao processo social de domínio.

Isto foi assim mesmo em sociedades muito antigas. O escravo era, em geral, um bruto, reduzido à desumana condição de coisa, de modo que o seu desenvolvimento intelectual era absolutamente desnecessário. O servo era um alienado, tudo que importava era o “reino de deus” e não a sua própria miséria em vida. O acesso à cultura era um privilégio – e o dominado jamais o teria.

Na sociedade capitalista, no entanto, algo diferente se passa. A posição social não define de antemão e sem escapatória a possibilidade de acesso ao saber. O mais miserável dos trabalhadores pode assistir ao mesmo noticiário que o patrão. E o filho do trabalhador, caso seja, a despeito da disparidade na concorrência, aprovado no vestibular, poderá cursar a mesma universidade pública em que estuda o filho do patrão.

Isto ocorre na medida em que a informação e o conhecimento assumem, como tudo na sociedade capitalista, a forma de mercadoria. E a mercadoria é “democrática”: está sempre acessível a todos... que puderem pagar o seu preço...

Uma “democracia” assim magnífica mostra-se, então, paradoxalmente, a mais eficiente forma de perpetuar a exclusão. A não ser por raríssimas exceções, o mecanismo social que define quem obtém e quem não obtém o saber garante, na suposta universalidade do acesso, a manutenção da disparidade em favor daqueles situados nas camadas sociais privilegiadas.

Nenhum progresso técnico será apto a romper esta disparidade, isto é, a desigualdade de acesso ao saber que contribui para a perpetuação do processo de dominação, enquanto a própria forma mercantil do saber não for rompida. Antes disso, todo o progresso técnico servirá, acima de tudo, para levar este processo ainda mais longe.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 21/10/2009. DIÁRIO (Dracena-SP), 25/10/2009.]

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