terça-feira, 6 de outubro de 2009

[Crítica Social] Pobreza e discriminação - esnobismo

POBREZA E DISCRIMINAÇÃO – ESNOBISMO

Na última edição desta coluna, tratei da discriminação contra a pobreza determinada por uma visão moralista da vida social, visão que projeta sobre o pobre, vítima de uma estrutura social fundada na exploração, a responsabilidade por sua própria situação – o que contribui perversamente para o agravamento da já penosa situação de quem vive na pobreza.

É preciso, contudo, considerar que este moralismo tradicional que reproduz o núcleo iníquo da sociedade mercantil capitalista não está só. Há algo mais por detrás da discriminação social hodierna. Algo que parece tornar ainda mais presente e ainda pior esta discriminação.

Na sociedade contemporânea, as desigualdades sociais simultaneamente se aprofundam e se esfumaçam. Trata-se de uma sociedade cada vez mais desigual, mas na qual a desigualdade já não se apresenta apenas na oposição entre rico e pobre. Há ricos e pobres, mas há também diversas classes médias que os permeiam, há inúmeras camadas de excluídos e miseráveis que, a rigor, estão ainda abaixo da pobreza mesma.

Mais ainda, esta é uma sociedade que se rende cada vez mais irrestritamente ao consumismo. Um consumismo cada vez mais voraz, verdadeiramente absurdo. E o próprio consumo se torna então fator de distinção social: quem pode comprar o carro “X”, o tênis “Y”, a parafernália eletrônica “Z” etc. está acima de quem não pode consumir as mesmas coisas.

Ao moralismo tradicional vem somar-se, então, um desejo de diferenciação pelo consumo, desejo de estar acima dos demais pela ostentação da mercadoria glorificada e cultuada. É o desejo de “ter” algo mais para “ser” algo mais do que o outro – sob a ilusão própria dos tempos contemporâneos de que o consumo é capaz de tal transmutação de “ter” em “ser”.

Numa sociedade como a brasileira, em que o passado estamental e oligárquico jamais foi inteiramente superado, esta combinação de moralismo e consumismo cai como uma luva e se manifesta com máxima sordidez. Nesta sociedade em que as camadas dominantes parecem sentir verdadeira repulsa perante a simples possibilidade de se confundirem com as camadas dominadas, a discriminação social assume contornos de escárnio. Algo como a ridicularização permanente do pobre – que não se veste, não se transporta, não mora, não trabalha, não fala etc. como os membros das classes altas. Algo como o orgulho descarado de estar “acima” do outro. A discriminação contra a pobreza atinge seu ápice, no Brasil, como verdadeiro esnobismo social.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 30/09/2009. DIÁRIO (Dracena-SP), 03/10/2009.]

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