quinta-feira, 24 de maio de 2012

[Crítica Social] Internet, compartilhamento, propriedade


INTERNET, COMPARTILHAMENTO, PROPRIEDADE

O site livrosdehumanas.org, conhecido por compartilhar gratuitamente versões digitalizadas de inúmeros livros, muitos dos quais raros e difícil acesso, foi bloqueado na última semana por conta uma ordem judicial emitida a pedido da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR). O episódio deve servir, no mínimo, para propor alguns importantes questionamentos.

Em primeiro lugar, para que servem os progressos tecnológicos e informáticos? Afinal, o desenvolvimento (e, recentemente, o barateamento) dos computadores e a ampliação do acesso à internet tornaram perfeitamente possível a distribuição em muito maior escala e de maneira muito mais aberta – até mesmo inteiramente gratuita – de uma série de bens culturais, como músicas, vídeos e textos. Tornou-se possível assegurar o acesso a tais bens a toda uma parcela da população que, do contrário, sequer tomaria conhecimento da sua existência ou não poderia dispor dos meios necessários para tanto. Só não se pode fazê-lo porque a estrutura mesma desta distribuição ainda constitui um obstáculo.

Que obstáculo é este? Ora, a distribuição de músicas, vídeos e textos é, até o presente, controlada por gravadoras, produtoras e editoras que atuam, como não poderia deixar de ser, em regime de mercado e que, portanto, fazem da distribuição uma atividade orientada para o lucro. Toda a distribuição é, portanto, realizada em regime de concorrência e determinada pelo movimento próprio do capital: a sua finalidade não é, em primeiro plano, a efetiva difusão da cultura, o acesso da maior parte possível da população ou os avanços culturais e intelectuais possibilitados pelo acesso ampliado e aberto.

Qual, então, o (suposto) ilícito cometido através do livrosdehumanas.org? O compartilhamento gratuito de livros digitalizados certamente atente ao interesse de muitas pessoas, sobretudo estudantes, pesquisadores e professores. Fere, por outro lado, o interesse de algumas poucas pessoas, mais precisamente daquelas que lucram com o monopólio da distribuição (isto é, com a venda) dos mesmos textos. Este interesse não é essencialmente dos autores, que, via de regra, recebem muito pouco pela publicação, mas das grandes editoras, livrarias etc. A questão dos direitos autorais é, no fundo, apenas instrumental: o “problema” central é que o compartilhamento digital gratuito “desvia” parte da distribuição em regime de mercado e, assim, implica menores lucros para quem tem como atividade a comercialização de livros. Não se trata, portanto, de proteger e garantir juridicamente o interesse da coletividade – que só pode ser pelo maior acesso – e sim um interesse proprietário muito mais restrito.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 23/05/2012.]

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