quinta-feira, 19 de maio de 2011

[Crítica Social] Sobre a discriminação social

SOBRE A DISCRIMINAÇÃO SOCIAL

Poucas coisas são mais incômodas do que a discriminação de classe, aquela que atinge o pobre e o excluído. Não que outras modalidades de discriminação não incomodem – há, afinal, no Brasil, quadros graves de discriminação contra negros, mulheres, homossexuais, ou seja, praticamente toda e qualquer “minoria”, de modo que não é possível fechar os olhos à situação. A discriminação social não é necessariamente pior que as outras – mas parece, a mim, mais digna de repulsa, pois reflete a estrutura exploratória e excludente de uma sociedade profundamente desigual.

Nossa sociedade não é homogênea. Não é uma somatória de partes iguais, não é funcional nem equilibrada. É uma sociedade “quebrada”, cindida em classes que se opõem. Não há, por isso, uma visão uniforme dos indivíduos sobre a própria sociedade: a possibilidade de compreender a organização social presente é limitada (embora não de modo inescapável) pela posição objetivamente ocupada pelo observador na sua estrutura. As classes dominantes, do ângulo pelo qual observam, não “vêem” a mesma sociedade que, do seu ângulo, as classes dominadas “vêem”.

Do ângulo pelo qual observam, marcado por seus próprios interesses (notadamente na manutenção da estrutura desigual que as beneficia), as classes dominantes “vêem” uma sociedade sem exploração, na qual a desigualdade é acidental ou culpa dos próprios inferiorizados. Há, a esse respeito, dois pontos, pelo menos, que penso dignos de nota.

Em primeiro lugar, a discriminação social tem como uma de suas bases um entendimento “moral”, por si só equivocado, da pobreza. As classes dominantes crêem, em geral, que o pobre é moralmente responsável pela própria pobreza: o pobre seria pobre por não se “esforçar”, “empenhar” ou “dedicar” o bastante, porque “desleixado”, “incompetente” ou “preguiçoso”. Mas a questão não é moral, é social – é estruturalmente social. A sociedade capitalista é estruturada pela exploração de uma classe sobre a outra, portanto não pode senão cindir-se entre “ricos” e “pobres”. Só há “ricos” porque há “pobres” – as classes dominantes, assim, ao encararem o pobre como culpado pela própria pobreza estão, na verdade, atribuindo ao outro uma responsabilidade própria.

Em segundo lugar, pesa, sobre a questão da discriminação social, uma atitude “esnobe” ou “elitista” bastante freqüente entre as elites brasileiras. A atitude de desejar estar socialmente acima, em posição de privilégio ou de mando. Assim, se a moralização da questão conduz à atribuição da culpa pela pobreza ao pobre, o “elitismo” é o seu complemento perverso: é a auto-atribuição das glórias e dos méritos ao vencedor. É a ridicularização do pobre – por seu linguajar, por seus hábitos, por suas vestimentas, por tudo que for possível – com vistas ao auto-enaltecimento do explorador – que seria, então, “melhor” porque é rico, fala bonito, é refinado, veste-se bem etc.

O ponto de vista das classes dominadas, por outro lado, não está limitado pelo interesse na manutenção da ordem estabelecida. O dominado, ao observar a sua sociedade, tem franqueada a possibilidade compreender a estrutura desigualadora e brutal à qual está submetido. O interesse da classe dominada é, por isso, a transformação radical desta estrutura social – para uma sociedade sem desigualdade e, portanto, sem o absurdo da discriminação contra a pobreza.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 18/05/2011.]
[Texto adaptado a partir daquele já publicado neste blog em maio de 2009.]

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