quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

[Crítica Social] Janeiro sangrento

JANEIRO SANGRENTO

O mês de janeiro parece ter se tornado um mês de terror no Brasil. A causa deste terror, no entanto, não é um conflito religioso ou uma disputa política extremada ou qualquer ação violenta deliberada. A sua causa é um fenômeno natural – mais ainda, um fenômeno natural que se repete anualmente: as chuvas.

Assim, em todos os meses de janeiro assistimos, em função das chuvas de temporada, aos mesmos acontecimentos catastróficos: inundações, deslizamentos de terra, centenas de mortos, milhares de desabrigados. Assistimos à mesma dramatização dos eventos pela grande mídia, assistimos às mesmas campanhas de mobilização para atender às vítimas, assistimos impotentes à ação da mesma natureza que, de um modo geral, pensamos controlar.

Assistimos, em especial, sempre às mesmas justificativas: a culpa é das chuvas, a culpa é da geologia das áreas que sofrem deslizamentos, a culpa é daqueles que irresponsavelmente habitam áreas de risco. Mas culpa nunca é atribuída à completa ausência de providências ou ao completo despreparo diante de eventos que sabidamente irão se repetir de janeiro em janeiro.

Perguntemo-nos: por que as providências necessárias (obras de contenção, evacuação de áreas de risco etc.) não são tomadas? Ou, o que dá no mesmo: por que o lamento prevalece sobre a precaução?

As respostas certamente não poderão evitar considerar quem são as vítimas das catástrofes relacionadas às chuvas. Pois se é certo que os eventos naturais não distinguem classe social – ora, a distinção de classe social não é natural como supõe parte de nossas elites –, é igualmente certo que a distinção de classe social é o único fator que explica por que motivo populações inteiras se fixam em áreas de encosta, em regiões usualmente sujeitas a inundação ou em localidades suscetíveis à ação das chuvas de um modo geral. A classe social da maior parte das vítimas explica, ao mesmo tempo, porque o poder público protela as medidas preventivas que já há muito tempo deveriam ter sido tomadas.

Se é inevitável que as chuvas causem vítimas (ou, na melhor das hipóteses, que representem sério risco todos os anos), porque afinal a natureza não pode ser completamente contida, é preciso ter em conta, por outro lado, que apenas a exclusão social explica o número assustador de vítimas que efetivamente temos. Não adianta, por isso mesmo, lamentar pelas chuvas ou esperar por clemência da natureza. Também o nosso “janeiro sangrento” é parte, sem dúvida, da questão social brasileira.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 19/01/2011.]

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