domingo, 9 de maio de 2010

[Crítica Social] Raça e racismo

RAÇA E RACISMO

Existe um mito entre nós, estabelecido há muito tempo, segundo o qual o Brasil seria um país aberto a todas as raças, miscigenado e sem discriminação, no qual conflitos étnicos, culturais ou religiosos não teriam lugar. É o antigo mito da igualdade racial, o mito de que o Brasil seria orgulhosamente o “país da diversidade”.

Um tal discurso, no entanto, soa estranho, talvez mesmo absurdo, quando contrastado com a realidade história brasileira. Fala-se, afinal, em igualdade racial no último país das Américas a abolir a escravidão. Fala-se em igualdade racial numa sociedade na qual a maior parte da população negra permanece nas camadas mais pobres, sem perspectivas de ascensão social, e na qual esta parcela da população tem acesso muito precário aos servições públicos mais elementares (saúde e educação, por exemplo).

Noutras palavras, fala-se em igualdade racial numa sociedade excludente, na qual “velhos” preconceitos não foram superados, na qual impera, na realidade, uma desigualdade avassaladora. Talvez isto incentive de certo modo o mito, precisamente como forma de não enfrentar a gravidade da situação, na medida em que quer-se pensar o Brasil como país igual exatamente porque, na dura realidade, estamos longe de sê-lo. Mas a dura realidade brasileira não é senão encarada da maneira mais hipócrita quando o racismo que a atinge visceralmente é negado.

O racismo só poderá ser vencido por ações efetivas, estruturais, contundentes. É preciso vencer antigas mentiras e, mais ainda, transformar a sociedade. Neste processo, não contribui, ao contrário do que se poderia esperar, o discurso – cientificamente correto, diga-se – segundo o qual a humanidade – isto é, a espécie homo sapiens – não é divida em “raças” propriamente, constituindo uma raça única. Ora, se não há raças, o racismo seria impossível, portanto ninguém precisaria preocupar-se com a discriminação e a exclusão de fundamento racial.

Porém, mesmo sendo a humanidade, do ponto de vista biológico, uma raça única, é preciso reconhecer que formas de segregação racial persistem. É preciso, então, encarar todas as manifestações concretas desta segregação como o que de fato são. É preciso reconhecer a sociedade brasileira como o que de fato é: uma sociedade na qual as camadas dominantes são predominantemente brancas e as camadas dominadas são predominantemente negras, com enormes preconceitos e modalidades de discriminação permeando as relações entre os dois extremos.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 05/05/2010.]

2 comentários:

José Roberto F. Militão disse...

Sr.Celso Kashiura Jr.

Louvável vossa preocupação de ser um antirracista, porém, algumas ressalvas: a primeira, a humanidade é uma só espécie, sem ´raça única´, pois se tiver ´raça´ não será única.

A outra é que o combate ao racismo é exatamente isso, combater o conceito de ´raça´, pois enquanto se acreditar em ´raça humana´, acreditar-se-á e praticar-se-á o racismo.

Os humanos são brancos, pretos, amarelos, pardos, vermelhos. A cor da pele não significa ´raça´. Por outro lado, a designação dos pretos e pardos como ´negros´ é uma designação racial, criada pelo racismo, por conseguinte, a palavra ´negro´ significa ´raça´ e não é sinônimo da cor da pele.

Assim, se o ilustre quer ser antirracista, nos designe por pretos, pardos ou afrodescendentes, jamais como ´negros´, que é fruto do racismo.

abraços, J. Roberto Militão

CNKJ disse...

Prezado sr. Militão,

Agradeço os comentários -- sobretudo as ressalvas levantadas que, por certo, tomarei em consideração.

Tenho dúvidas, no entanto, sobre o real valor de pautar o discurso a partir desse questionamento sobre "qual o termo correto". O problema do racismo, afinal, vai muito além dessa discussão terminológica -- e a insistência na discussão terminológica pode implicar, por si só, uma forma de desviar a questão de seu foco. E o foco só pode estar na estrutura social que marginaliza, por razões muito determinadas, uma parte da população tão-somente pela cor da sua pele...

No mais, ainda que o termo "negro" possa ser interpretado como "fruto do racismo" por não dizer respeito imediatamente à cor da pele, importa lembrar que o mesmo foi largamente utilizado por toda uma tradição da sociologia brasileira que se coloca frontalmente contra o racismo tão presente entre nós.

Basta citar os títulos (e só os títulos), por exemplo, de obras fundamentais como "O negro no mundo dos brancos" de Florestan Fernandes e "Sociologia do negro brasileiro" de Clóvis Moura. Não creio que alguém ousaria dizer que o termo "negro" consta, nesses casos, em sentido racista ou mesmo irrefletidamente. Assim, utilizá-lo no meu texto, parece-me, não compromete o sentido radicalmente antirracista do mesmo.