domingo, 30 de maio de 2010

[Crítica Social] Judiciário e sociedade

JUDICIÁRIO E SOCIEDADE

Sempre que o Supremo Tribunal Federal (STF) toma uma decisão que desagrada ou que, de qualquer modo, surpreende negativamente, invariavelmente aparecem questionamentos sobre seu funcionamento e seu papel perante a sociedade. Questiona-se, em geral, o caráter político das decisões – ora para condená-lo, ora para defendê-lo –, questiona-se a postura ora autoritária e ora submissa ao Executivo do tribunal, questiona-se a conduta de seus ministros etc. Não raro, questiona-se igualmente a estrutura judiciária brasileira como um todo, a morosidade dos processos, o preparo dos juízes etc. Em suma: uma decisão polêmica coloca em dúvida todo o Poder Judiciário brasileiro, pelas mais variadas razões, sempre pelo argumento segundo o qual este “não funciona como deveria”.

Uma questão que usualmente não é proposta, no entanto, é: e se o Judiciário funcionasse “como deveria”? Quero dizer, se o Judiciário brasileiro fosse bem equipado, célere e eficaz, se a Constituição fosse plenamente aplicada (sobretudo no que diz respeito aos seus direitos sociais), se o STF tivesse uma atuação moralmente respeitável e politicamente transparente – enfim, se não fossem os desvios acidentais que acometem o Judiciário, estariam os problemas de fundo resolvidos? Ou, noutras palavras, os problemas que ensejam descontentamento com o Judiciário são problemas apenas do Judiciário ou estão, muito além, também na sociedade cuja organização demanda um Poder Judiciário?

Ora, parece claro que um STF e, de modo geral, um Judiciário que funcionassem exatamente como prevê o modelo, isto é, exatamente como deveriam num “Estado Democrático de Direito”, não trariam mudanças profundas na sociedade mesma. Pois a sociedade que, pela sua própria estrutura, demanda uma forma jurídica e um aparelho burocrático de aplicação do direito como mediador de conflitos, que demanda uma organização política apartada das massas, organização esta que inclui um aparelho judiciário – esta sociedade é, na sua estrutura elementar, a mesma, quer o seu Judiciário funcione “a contento” ou não. A solução, portanto, não pode estar limitada ao Judiciário – é necessário que a sociedade seja transformada, ou melhor, é necessária uma outra sociedade e não simplesmente um outro Judiciário.

Isto não quer dizer, ressalte-se, que o STF não seja mesmo questionável e, sobretudo, que mudanças no Judiciário, especialmente se venham assegurar maior consideração pelas questões sociais, não sejam bem-vindas. Porém, por melhores e mais bem intencionadas que sejam tais mudanças, um “bom” Judiciário pode minorar as grandes mazelas sociais, não pode superá-las. Pode talvez reduzir desigualdades sociais, não pode eliminá-las. Pode estender a efetivação de direitos humanos, não pode extinguir o núcleo desumanizador da sociedade capitalista. Pois o Judiciário não pode ser, na essência, senão um guardião da ordem social estabelecida.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 26/05/2010.]

Nenhum comentário: