segunda-feira, 17 de maio de 2010

[Crítica Social] Liberdade de escolha e democracia

LIBERDADE DE ESCOLHA E DEMOCRACIA

Qualquer um de nós pode, desde que disponha de dinheiro para pagar a conta, ir a um restaurante e pedir qualquer prato que esteja no cardápio. Trata-se de simplesmente escolher entre as opções dadas. É possível, assim, ir, por exemplo, a uma pizzaria, em cujo cardápio há uma variedade de pizzas, e escolher qualquer delas – mas não fará sentido pedir uma feijoada.

Isto, é evidente, não pode ser diferente para um restaurante – que não pode, afinal, servir todos os pratos imagináveis –, mas serve de analogia para pensar outras questões. A liberdade individual de que tanto se orgulham as sociedades ocidentais, que ideologicamente não cessa de aparecer como a forma absoluta da liberdade política, não é senão a possibilidade de escolher entre as opções previamente determinadas. Não se trata, portanto, da livre escolha em absoluto, mas de escolhas sempre limitadas, cujos limites constituem sempre barreiras fundamentais – pois a liberdade cessa no exato momento em que a escolha transborda tais limites.

A nossa democracia funciona nesses exatos mesmos termos. Cada um de nós pode, pelo voto, escolher quem será eleito, quem ocupará os cargos políticos determinantes. Isto, sem nenhuma dúvida, é melhor do que a ditadura pura e simples, a completa ausência de participação no processo político. Por outro lado, o voto que permite participação política é também o limite imposto a esta participação – quero dizer, todo o poder de participação do cidadão comum no processo político está limitado ao voto.

Assim sendo, o poder político continua, em pleno regime democrático, completamente apartado da população mesma. A população, se posso assim dizer, não faz política “com as próprias mãos” – apenas escolhe, entre as opções dadas, quem fará política em seu lugar. A população não participa diretamente nas decisões políticas fundamentais – apenas escolhe quem decidirá em seu nome. Na medida em que o limite da participação popular é o voto, o regime democrático legitima através do povo decisões políticas que pura e simplesmente não são tomadas pelo povo.

Ora, tudo quanto restar de fora do “cardápio” da democracia formal, isto é, todas as opções que não são dadas através do voto para apreciação popular, simplesmente não se pode escolher – ainda que o povo como um todo assim deseje. Em especial, o povo, mesmo que em todo o seu conjunto assim exija, não pode reclamar, pelo mecanismo da democracia que temos, uma transformação no próprio processo político de modo a permitir participação direta. Quero dizer, o povo em seu conjunto não pode exigir, dentro da democracia formal, tomar as decisões políticas por si próprio, exercer o poder político por si mesmo. A liberdade de escolha não vai tão longe – a democracia, então, não é exatamente tão “democrática” quanto parece...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 12/05/2010.]

2 comentários:

Anônimo disse...

A democracia formal legitima extamente aquilo que deseja deslegitimar, que é a elitização do poder político. A democracia inspira no povo apenas uma sensação de poder e participação concreta nos rumos do Estado, que evidentemente é ilusória, como bem demonstrado no texto. Mas coloco a seguinte questão: não seria a própria democracia formal o início de sua superação, em termos apenas proclamatórios, no sentido de se partir dela para a tomada do poder pelo povo e partir daí decidir com liberdade, não baseado em opções, mas criando as opções?

Lucas Vieira disse...

Antigamente eu achava que sabia muito pouco acerca da democracia, hoje sei menos ainda.

Mas sei que essa democracia liberal/burguesa realmente desvirtua, na realidade, os principais sentindos de que se tem quando se pensa em democracia. E justamente por conseguir desvirtuar que, acredito eu, ela tomou força tal como está hoje.

Lembro-me de uma vez estudando História do Direito que, em determinado lugar e época, se preferiu a eleição ao sorteio dos ditos representantes, já que a eleição seria bem mais democrática do que o sorteio e que, faticamente, a eleição acabou sendo bem mais elitista do que o sorteio. Irônico isso, não?

Com a provocação do Diego, tenho minhas sérias dúvidas, mas estou bem inclinado a concordar. Como diria algum autor: Engana-se que quem pensa que a democracia é um ponto de chegada, a democracia nada mais é do que um ponto de partida...