domingo, 4 de abril de 2010

[Crítica Social] Ideologia ou ignorância?

IDEOLOGIA OU IGNORÂNCIA?

Nas últimas páginas de sua última edição, a revista Veja trouxe uma reportagem sobre a inclusão das disciplinas sociologia e filosofia nos currículos obrigatórios do ensino médio brasileiro (“Ideologia na cartilha”, edição 2158, p. 116-117). Num tom questionável, o texto critica a medida pela falta de professores “qualificados” para assumir as referidas disciplinas e, sobretudo, pela perspectiva ideológica dominante em seus programas – um “ideário marxista” que persiste “à revelia da implosão do comunismo no mundo”, diz o repórter.

Com relação à “qualificação”, a reportagem insinua que o professor bem qualificado é aquele desprovido de qualquer “visão ideológica”. Nada além, portanto, do velho discurso da neutralidade, segundo o qual nenhum conhecimento é possível senão aquele dado por quem invariavelmente não sai de cima do muro. Bastaria, porém, um pouco de reflexão sociológica ou filosófica, sobretudo a partir do mesmo ideário crítico que a revista censura, para saber que não há neutralidade possível: quem se declara neutro se declara de imediato indiferente à persistência da sociedade presente, tal como dada aqui e agora, portanto é também partidário de algo. Isto, aliás, a própria reportagem denuncia, pois se, de um lado, ataca ferozmente o marxismo, por outro lado não tem o menor pudor de defender abertamente o capitalismo – isto é, a sociedade presente –, afirmando que este “regime resultou em mais e melhores empregos ao longo da história”.

No que diz respeito aos programas das disciplinas, a reportagem afirma predominantes “conceitos rasos” e um “tom panfletário”, o que justificaria não incluir sociologia e filosofia entre as disciplinas do ensino médio. Qual o sentido, no entanto, de acusar as idéias com as quais não concordamos de “rasas” e “panfletárias”? Pois é sempre legítimo discordar de algo, demonstra a possibilidade de debate permanente com a qual as idéias só têm a ganhar. Mas desqualificar o discurso do outro, acusá-lo de inferior apenas porque diferente, é uma atitude arbitrária, contrária ao diálogo, típica de quem se julga “dono da verdade”. E a reportagem claramente discorda das perspectivas teóricas predominantes entre sociólogos e filósofos – a perspectiva teórica que orienta a própria reportagem, no entanto, é “melhor” do que as outras?

Mais do que tudo, a reportagem parece demonstrar certo medo de que, através de disciplinas como sociologia e filosofia, perspectivas críticas e ideais de esquerda sejam difundidos entre os jovens. Por quê? Ora, porque há, é evidente, um grande interesse, por parte de alguns grupos sociais, na completa falta de consciência, no completo silêncio de reflexão, acerca das questões sociais. Difícil, afinal, tomar conhecimento das estruturas e da dinâmica da sociedade presente sem indignar-se... Difícil conformar-se ao absurdo da desigualdade, da exploração, da exclusão... Mas há quem ganhe com a permanência de tudo como está e, para estes, não há nada melhor do que a ignorância das massas.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 31/03/2010.]