domingo, 11 de abril de 2010

[Crítica Social] Filosofia e direito - I

FILOSOFIA E DIREITO - I

Na realidade contemporânea [...] a atividade jurídica e o pensamento conservador e positivista afastam do jurista uma formação profunda e ampla de filosofia. Em primeiro lugar, devido ao conservadorismo do jurista, homem em geral a serviço das elites, que não querem nenhuma contestação do dado. Em segundo lugar, devido ao rebaixamento universitário que carreia o jurista à sobrecarga do mero conhecimento de técnicas, somando informações sem perfazer, em conjunto, sua formação. E, além disso, também pela estrutura mesquinha do afazer do jurista na sociedade capitalista, premido entre a atividade extenuante do seu ganha-pão que não lhe permite galgar um pensamento mais alto do que o exigido para o quotidiano e a alma contabilista que enxerga o conhecimento como lucro, não como plenitude para situar-se no mundo e transformá-lo.
– Alysson Leandro Mascaro, Filosofia do direito, Atlas, 2010, p. 15.

Qual o papel da filosofia do direito? A resposta aqui não pode ser dada isoladamente, de pronto e automaticamente, porque depende – aliás, muito filosoficamente – de uma série de outros questionamentos. Para que serve o direito? A quem, então, serve o jurista? E, em vista disso, qual o jurista que a sociedade e os cursos de direito pretendem formar?

Se partirmos da concepção – infelizmente dominante – de que o jurista é um técnico, um agente da burocracia estatal, aplicador indiferente da lei, tendo por pano de fundo a idéia resignada de que o direito serve apenas à reprodução cega da realidade dada, então a conclusão necessária é a de que a filosofia do direito é “inútil”.

Ora, como a filosofia poderia ser “útil” na atividade cotidiana do jurista, isto é, na prática do fórum, na correria dos prazos, na redação de peças processuais etc.? Tais atividades, embora não dispensem o pensamento por completo, dispensam-no em tudo que ultrapassa os limites estritamente práticos e burocráticos vinculados ao texto da lei. Dispensam, sobretudo, o pensamento questionador, aquele que coloca em dúvida o aparelho judiciário e seus processos, o Estado, e, mais ainda, a própria lei, o próprio direito. E a filosofia é, por excelência, pensamento questionador...

Se, no entanto, pensarmos no jurista como um conhecedor do direito – em seu sentido amplo, social, histórico, portanto não apenas em seu sentido prático, que é parcial e, por isso mesmo, falso –, a filosofia do direito será essencial. Pois a outra face de sua “inutilidade” prática é o seu caráter indispensável para o conhecimento do direito como um todo, o que exige conhecer a sociedade em que tal direito se insere, a realidade de um tempo histórico.
O jurista de que este mundo precisa – queira-se ou não – deve ser, portanto, capaz, sim, de filosofar...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 07/04/2010.]

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