terça-feira, 18 de junho de 2013

[Crítica Social] Reflexões sobre as manifestações em São Paulo

REFLEXÕES SOBRE AS MANIFESTAÇÕES EM SÃO PAULO

I – A reação espontânea às recentes manifestações que tomaram as ruas de São Paulo para protestar (a princípio) contra o aumento da passagem de ônibus urbano e metrô para R$ 3,20 é uma boa unidade de medida de posicionamentos políticos. Quem argumenta que os manifestantes têm direito de manifestar a sua opinião desde que em silêncio, sem atrapalhar o trânsito ou a “vida alheia” – é conservador. Quem “argumenta” que são desordeiros, baderneiros, desocupados etc. e que a “ordem” deve ser mantida à força – é reacionário.

II – O ponto de vista segundo o qual “míseros” 20 centavos não justificam as manifestações é o ponto de vista típico das classes médias e altas. Isto é, o ponto de vista de quem tem leva uma vida confortável (no mínimo) e, principalmente, de quem não usa transporte público. A sua base de apoio mais íntima é a velha discriminação social, o profundo e esnobe desprezo pela pobreza que atinge os grupos que se acostumaram (e gostam de) olhar “de cima para baixo” na sociedade brasileira. R$ 3,20 é, sim, demais, além do aceitável para um transporte público ruim, lento, em que usuário é cotidianamente maltratado.

III – Quem defende as manifestações com a ressalva de que não sejam violentas é, na verdade, contra as manifestações. A mobilização não vai simplesmente “convencer” com seus números. Nenhuma transformação efetiva surge da simples “boa vontade”. Transformações são conquistadas. Grandes transformações – que exigem vencer resistências, vencer os interesses dominantes etc. – são conquistadas à força. As censuras voltadas contra as manifestações exprimem, cada uma a seu modo e com seus (precários) argumentos, aversão à simples possibilidade dessas transformações e o desprezo por quem tem a “ousadia” de lutar por elas.

IV – A crítica que apela a um “despreparo” da PM está fundada numa representação idílica do aparato policial como guardião da ordem e da segurança. Sim: assistimos a cenas deprimentes de violência gratuita por parte da PM, vimos balas de borracha (ainda potencialmente letais) sendo disparadas sem motivo, vimos policiais tomando as ruas deliberadamente sem identificação nas fardas, vimos um policial atirando spray de pimenta num cachorro e outro descaradamente quebrando o vidro da própria viatura. Mas, não: isto não é despreparo. A função primordial do aparato policial é precisamente a repressão, ele é preparado para isso: guardião da ordem, mas de uma ordem muito específica, amparada por interesses muito específicos, dispostos a utilizar a força bruta se preciso for. (Com a ressalva clara de que isto diz respeito à polícia como instituição: os policiais não são individualmente responsáveis pela situação e sequer pertencem às classes sociais que se beneficiam dessa força bruta.)

V – Ainda que as manifestações não resultem em nada de concreto, a violência policial escancarada em frente aos cinegrafistas da TV e compartilhada ao vivo nas redes sociais deixa pelo menos algo de permanente: uma amostra vívida do que acontece cotidianamente nas periferias das grandes cidades brasileiras, longe de qualquer registro pelas câmeras e sem qualquer alarde na mídia. Agora todos podem saber que é com essa violência (ou mais) que a desigualdade social é “enfrentada” todos os dias.


[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 19/06/2013.]