quinta-feira, 18 de abril de 2013

[Crítica Social] A senzala e a lei

A SENZALA E A LEI

A aprovação da emenda constitucional que assegura os direitos sociais mais básicos às empregadas domésticas tem causado alvoroço há alguns dias. Algo tão simples, tão elementar, mas que causa um incômodo muito revelador: um incômodo típico da classe média brasileira, eternamente deslumbrada diante do mesmo delírio elitista, vivendo permanentemente o mesmo e desprezível desejo de reafirmar a sua posição de “superioridade” e, ao mesmo tempo, de ver-se “servida” por aqueles que estão abaixo. A reação típica – para ser simples e direto – daquilo que há mais conservador dentre os ideais políticos superficiais e espontâneos que habitam o senso comum. (Se bem que isto não impede, é claro, outros ideais mais elaborados e nem um pouco ingênuos no mesmo sentido.)

Ora, o que pode haver demais aqui? Trata-se do simples reconhecimento expresso de que a empregada doméstica é uma trabalhadora como qualquer outra e, portanto, de que ela deve ter garantidos todos aqueles direitos de que todos os outros trabalhadores dispõem. O absurdo – e também o único motivo de espanto possível aqui – reside na inaceitável demora para que esse reconhecimento fosse levado a cabo.

Até mesmo como conquista política, esse reconhecimento só pode ser reverenciado até certo ponto. Não se trata do triunfo do “fraco” sobre o “forte” e, assim, todos aqueles que se colocam ao lado do “fraco” não podem dar-se por satisfeitos. O que todas as posições políticas críticas, insatisfeitas com o presente e engajadas na transformação social têm a comemorar é apenas a vitória sobre uma resistência fundada num anseio pela manutenção de uma desigualdade extrema e num preconceito atroz que quase faz remontar à mão que (sádica e) prazerosamente segura o chicote do senhor de escravos. Mas mesmo essa vitória é, para dizer o mínimo, muito parcial.

Tratar a empregada doméstica como trabalhadora, com os direitos correspondentes, significa, na melhor das hipóteses, explorar o seu trabalho com alguma “dignidade” ou com uma indignidade mitigada. Na melhor das hipóteses, note-se, porque a garantia jurídica não implica imediatamente esse incremento de “dignidade”. Mas, no efetivo, isso não significa nada – ou melhor, não significa que tenha havido ou que haverá qualquer transformação social considerável, em termos estruturais, por conta desse reconhecimento de direito. No que é fundamental, a exploração mesma não é atingida, sequer arranhada.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 17/04/2013.]

Nenhum comentário: