quinta-feira, 21 de março de 2013

[Crítica Social] Sobre o cicloativismo

SOBRE O CICLOATIVISMO

Um deplorável acontecimento em São Paulo, na Av. Paulista, colocou em evidência um movimento de usuários e defensores da bicicleta como meio de transporte. Mas o acontecimento – o atropelamento de um ciclista que teve o braço decepado e, a seguir, atirado num rio por um inconsequente – não foi mais do que um infeliz gatilho midiático. Esse movimento cicloativista, na verdade, existe já há tempos e tem ganhado força significativa em grandes cidades brasileiras.

Trata-se, sem nenhuma dúvida, de uma exigência bastante legítima. A estrutura urbana de nossas metrópoles – São Paulo talvez mais do que qualquer outra – têm sido desenvolvida sob a lógica dominante ou exclusiva do deslocamento via automóvel privado. As consequências são óbvias e não poderiam ser piores: transporte ineficiente e caro, congestionamento, poluição etc. Assim, qualquer iniciativa em prol do transporte coletivo (sobretudo) ou do transporte individual alternativo há de ser bem recebida.

Por outro lado, o uso da bicicleta não pode ser apresentado como “solução” para o que quer que seja. A “boa vontade” do ciclista que se dispõe a enfrentar, na contracorrente, a enxurrada de veículos automotores que toma as ruas não é uma medida minimamente eficaz para mudar a realidade. Para ser alçado à qualidade de movimento social ou de movimento que propõe algo de efetivamente transformador, o cicloativismo precisa tomar em consideração fatores que extrapolam a luta por “respeito” pelo lugar da bicicleta no trânsito e por “direitos” para o ciclista.

Como tantos outros movimentos, o cicloativismo se coloca atualmente como uma luta setorial, por reconhecimento e proteção às prerrogativas de um grupo. Nesse sentido, a sua luta é até “mais fraca” do que a de muitos outros movimentos: porque a sua causa é socialmente menos urgente (do que a causa da discriminação do negro, da mulher ou do homossexual, por exemplo) e porque o grupo dos ciclistas é numericamente inferior com relação a muitas das outras “minorias”. A condição para que o cicloativismo assuma um caráter transformador é a radicalização das suas exigências de modo que a luta pelo lugar da bicicleta seja, ao mesmo tempo, luta contra a sociedade na qual a bicicleta é marginalizada. Noutras palavras: a luta pelo lugar da bicicleta como capítulo da luta pela transformação da sociedade presente.

Isto exige, em primeiro lugar, buscar as razões da marginalidade da bicicleta. A lógica do transporte por meio do automóvel privado, lógica que exclui o ciclista, não aparece por acaso, não está ligada a “má vontade” ou a “falta de esclarecimento”, mas está profundamente conectada ao tipo específico de estrutura econômica – e, consequentemente, ao tipo de sociedade – na qual vivemos: que privilegia a produção do carro como mercadoria e que, em última análise, coloca, no trânsito, o interesse da montadora acima do interesse mais amplo por um trânsito que flua e o interesse individual do motorista acima do interesse mais amplo por uma cidade acessível e limpa.

Sem a transformação de tais condições econômicas e sociais, o lugar da bicicleta não poderá ser senão secundário. Sem isso, o cicloativismo não será mais do que voluntarismo insistente e ingênuo, porém sem maiores consequências.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 20/03/2013.]

3 comentários:

Jennifer Xandão disse...

O cicloativismo se reconhece como parte de uma mudança estrutural contra a extrema valorização do transporte privado, o automóvel. Precisa acompanhar mais de perto e não apenas pela mídia do que se trata o movimento. Abraço.

CNKJ disse...

Uma mudança não é "estrutural" se dirigida apenas "contra" uma forma de consciência ("valorização do transporte privado"). Precisa acompanhar mais de perto a teoria social e não apenas repetir declarações prontas de boa vontade.

O Inquieto disse...

Celso,
Não sei se você pedala apostando a sorte entre os carros nas avenidas paulistanas, mas, posso afirmar que ê entende muito bem da lógica da produção do valor que encontra na produção do automóvel sua forma clássica e que as necessidades do país não possuir transporte público eficiente e ter aposentado suas ferrovias foi fruto do tal desenvolvimentismo sobre rodas que a Ford, GM, Volks agradecem muito a reprodução de seu capital. A necessidade de muitos carros não é humana, é do capital. Bela aula de fetichismo da mercadoria sobre duas rodas!

Wellington