quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

[Crítica Social] Internação... compulsória?


INTERNAÇÃO... COMPULSÓRIA?

Uma ideia simples, que pode passar despercebida para muitos ou é ingênua e calorosamente aplaudida pelo grande público. Refiro-me à internação compulsória de dependentes químicos, iniciativa lançada no Rio de Janeiro e que agora chega a São Paulo. Em pouco tempo, é razoável supor, deveremos vê-la implantada em todo o Brasil.

O problema aqui não está em constatar que o dependente químico precisa de tratamento médico. Isto é óbvio: enfrentar uma questão de saúde pública como uma questão de saúde pública. O problema está em pensar ingenuamente que o poder público propõe a internação compulsória, de “boa vontade”, para o bem comum e para o bem do próprio dependente que, incapacitado pela própria dependência, não é capaz de decidir o que é melhor para si próprio. A proposta, velha conhecida, é fazer o “bem” ao próximo, ainda que à força: o mesmo argumento pelo qual foram justificadas as Cruzadas e a Inquisição, pelo qual se defende a assimilação do índio à sociedade capitalista, pelo qual os pais tentam justificar para si mesmos a injustificável violência cometida na “educação” dos filhos. As consequências, em todos esses casos, são notoriamente conhecidas.

Trata-se, em suma, de apresentar a internação compulsória como algo que, em definitivo, ela não é. Uma medida de saúde pública não pode, afinal, tornar-se eficaz à base da força pura e simplesmente. A força é o mecanismo próprio de um outro tipo, bastante diverso, de medida: aquele que encara a dependência química como questão policial, como questão a ser enfrentada por meio da repressão. Não há exemplo mais evidente disto do que o deplorável episódio da invasão policial e “desocupação” da “cracolândia”, no centro de São Paulo, em janeiro de 2012. Não pode haver resultado mais evidente: uma vez que a ação se dirige aos efeitos e não às causas, ao dependente e não à dependência, o problema é afastado, removido, disfarçado, mas nunca resolvido.

Ainda que se disfarce, ainda que se negue convictamente, o que resta ainda por detrás da internação compulsória é o mesmo higienismo de sempre. O mesmo higienismo tão característico das elites brasileiras, que se aplica de tantas maneiras e permanentemente contra o pobre, contra o negro, contra o índio, contra o homossexual e, desde que a dependência do “crack” tornou-se uma epidemia, contra o dependente que, ocupando miseravelmente as ruas, “polui” a cidade. Higienismo que exige a “assepsia” do espaço urbano, custe o que custar. Se o campo de concentração, a fornalha ou a “clínica de reabilitação” é o destino final, pouco importa – desde que o “outro” seja eliminado (ao menos do campo de visão).

No fim das contas, a internação compulsória tende a ser apenas um protótipo de prisão sem crime e sem julgamento. Prisão em que os carcereiros vestem branco. Assim como as prisões convencionais, abarrotadas enquanto a incidência da criminalidade apenas aumenta, isto tende a ser apenas mais uma “solução extrema” para coisa nenhuma.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 23/01/2013.]

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