quinta-feira, 8 de novembro de 2012

[Crítica Social] Mais do que indignação


MAIS DO QUE INDIGNAÇÃO

Parece haver, na estratégia de operação da grande mídia, um lugar permanente para a matéria causadora de indignação da vez. A cada momento um assunto diferente ocupa este espaço, mas tudo que se espera é a mesma reação, o mesmo “isto é um absurdo!” do leitor ou do espectador diante da notícia com a qual se depara e com seus desdobramentos.

Hoje, este lugar parece ser ocupado pela onda de violência que atinge a cidade de São Paulo, com um número crescente e alarmante de homicídios sendo cometidos todos os dias. Mais ou menos ao mesmo tempo, apareceu como grande causadora de indignação a notícia de uma carta redigida por uma comunidade Guarani-Caiová do Mato Grosso do Sul contra uma decisão da Justiça Federal que ordena a sua retirada à força da área que ocupam. Poucas semanas atrás, ocupou o posto de notícia indignante o leilão virtual da “virgindade” de uma jovem de Santa Catarina.

Este último caso é insignificante: a indignação do público deveria ser voltada para a desfaçatez da grande mídia em apelar a um moralismo tão tosco para vender uma notícia descartável. Os outros dois casos, por outro lado, são autenticamente causadores de indignação: a violência urbana e o massacre dos povos indígenas brasileiros são assuntos graves e urgentes, preocupações reais que deveriam ocupar a atenção do público permanentemente e não apenas quando expostos no noticiário. Para a grande mídia, no entanto, a dimensão real do problema é secundária: só importa que o assunto sirva para o mesmo tratamento sensacionalista de sempre.

Que o público seja ainda capaz de indignar-se é bom sinal. Esta indignação é, contudo, desviada pelo sensacionalismo midiático na direção errada. A indignação instantânea com a notícia do momento é também efêmera e isolada – é indignação com “A” que acabou de ser denunciado pelo jornal, mas logo depois com “B” que apareceu na TV e dias depois com “C”, “D” etc. O público é assim impedido de tomar ciência de que a causa dos acontecimentos indignantes que lhe são expostos é a mesma – e que, portanto, não faz sentido voltar-se para os efeitos, um por vez, como se estivessem desconexos. É contra a própria causa que deve voltar-se a indignação.

Para ficar nos três exemplos levantados: a causa última de todos é a própria estrutura econômica da sociedade em que vivemos. É a desigualdade essencial à produção capitalista que alimenta a violência urbana, exclusão social que explode em violência sobretudo nas periferias das grandes cidades. É a economia capitalista que inviabiliza a preservação das comunidades indígenas – porque o indígena não é vendedor de força de trabalho para a exploração do capital e não é consumidor, portanto não tem lugar no mundo capitalista, isto é, não tem lugar no mundo. E é a redução de tudo à forma de mercadoria, inclusive aquilo que não é produto do trabalho humano, que explica algo como um leilão de sexo – como também a prostituição impulsionada pela miséria, o que é muitíssimo mais preocupante do que a pequena aventura de uma jovem de classe média.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 07/11/2012.]

Nenhum comentário: