quinta-feira, 9 de agosto de 2012

[Crítica Social] Solução e problema


SOLUÇÃO E PROBLEMA

O julgamento do caso do “mensalão”, atualmente em curso, traz para o centro das atenções o tribunal e o direito. Assim acontece, na verdade, com todos os processos que envolvem algum apelo midiático, com os escândalos convertidos em exemplos moralizantes, com os crimes cuidadosamente explorados para que se transformem em grandes momentos de comoção nacional. De repente, tudo que importa é “fazer justiça” – isto é, a punição, o mal devolvido na exata medida do que é “merecido”, o castigo que faz com que o culpado “pague” pelo que fez.

O direito aparece como a “solução”, como o instrumento pelo qual se restabelece a ordem. A justiça aparece neste restabelecimento da ordem – no “dar a cada um o que é seu”, como já dizia o provérbio romano ainda tão repetido, tão irrefletidamente repetido pelos juristas. Mas qual é esta ordem a ser restabelecida? O que o “seu” de “cada um”, o “seu” a ser sempre garantido, fixado, devolvido?

Se o justo é o retorno ao estado anterior, então não se pode esperar do tribunal ou direito mais do que a reafirmação da ordem já estabelecida. Mas a reafirmação da ordem estabelecida é a permanente reafirmação da sociedade presente. Garantir a cada um o que é “seu” é garantir uma distribuição profundamente desigual da riqueza, retornar a riqueza desigualmente distribuída para os seus detentores originais. Trata-se do retorno incansável do mesmo, da reafirmação incansável da oposição entre classes sociais e de uma estrutura social na qual uma minoria se beneficia da exploração do trabalho da maioria.

Como mostraram Marx e, da maneira mais contundente, o jurista marxista Pachukanis, o direito está intimamente vinculado à estrutura da sociedade capitalista. A forma jurídica tem suas raízes na circulação de mercadorias e se manifesta como a forma pela qual o próprio homem se converte em mercadoria. A igualdade e a liberdade do direito são o espelho da equivalência das mercadorias e de um modo de produção movido pela valorização do valor. A realização do direito não é, não pode ser senão a realização disto: da exploração do trabalho, das relações de produção capitalistas, do processo de multiplicação do capital.

A “solução” oferecida pelo direito não é, portanto, senão a “solução” já dada pela ordem capitalista. O direito não pode, por isto mesmo, oferecer nenhuma autêntica “solução” – trata-se, na verdade, de parte do problema.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 08/08/2012.]

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