quinta-feira, 5 de julho de 2012

[Crítica Social] Sopão e higienismo em São Paulo


SOPÃO E HIGIENISMO EM SÃO PAULO

Na última terça-feira, 26 de junho, a Folha de São Paulo publicou na sua seção Tendências/Debates um artigo em que dois ex-alunos da Faculdade de Direito da USP, localizada no Largo de São Francisco, questionam a “apropriação” deste “espaço público” por moradores de rua. Entre as várias soluções propostas, destacam-se a “conscientização” para o fato de que “doar dinheiro, roupas ou alimentos na rua não ajudará a transformar as pessoas” e a “indução ininterrupta” por parte do poder público para que os moradores de rua adentrem o sistema de abrigos da cidade.

No dia seguinte, quarta-feira, 27 de junho, foi amplamente divulgada a notícia de que a prefeitura de São Paulo pretende proibir a distribuição gratuita de alimentos, promovida por várias instituições não-governamentais na capital, aos moradores de rua. O “sopão” passaria a ser distribuído apenas em alguns poucos locais previamente determinados, de modo a obrigar os moradores de rua a ingressar em abrigos da prefeitura.

Em comum, as duas propostas têm por suposto (apesar do texto da Folha de São Paulo tentar negá-lo) o mais puro e simples higienismo. Os moradores de rua são o problema, o inaceitável, a poluição, a sujeira. E a solução lógica, deste ponto de vista, só pode ser esta: tirar os moradores de rua da rua, tirá-los do campo de visão do transeunte, limpar a sujeira.

O que de fato mais interessa é precisamente aquilo que não aparece. A “solução” para o “problema” dos moradores de rua só pode se pretender efetiva se enfrentar as causas, isto é, aquilo que coloca um grande número de pessoas em situação de rua. Atacar o próprio morador de rua, forçar a sua retirada deste ou daquele local, obrigar o seu ingresso em abrigos etc. são formas absolutamente superficiais de atuação, fundadas numa limitadíssima visão preconceituosa e elitista que reputa, no fim das contas, ao próprio morador a responsabilidade exclusiva pela sua situação.

A situação específica do Largo de São Francisco está imediatamente relacionada com a intervenção desastrosa e violenta promovida pelo poder público no início do ano na região da “cracolândia”. Isto, é evidente, a prefeitura jamais assumirá: a “cracolândia” agora não tem mais fronteiras e ocupa todo o centro da cidade.

A situação geral da cidade de São Paulo e, mais ainda, de todas as grandes cidades brasileiras têm, por sua vez, causas ainda mais profundas e complexas. A existência de moradores de rua é uma faceta da existência incômoda da miséria. Trata-se de uma das manifestações inevitáveis da estrutura econômica e social em que vivemos, estrutura que se alimenta da desigualdade, em que a exploração do trabalho é a fonte última de toda a multiplicação da riqueza, em que a opulência de alguns pode ser sustentada apenas pela pobreza de muitos. Sem alteração radical desta estrutura não há qualquer solução verdadeira possível.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 04/07/2012.]

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