quinta-feira, 26 de abril de 2012

[Crítica Social] Duas leis “exemplares”


DUAS LEIS “EXEMPLARES”

O poder legislativo municipal de Campinas, interior de São Paulo, aprovou nos últimos dias uma dupla de leis “exemplares”. Uma delas regulamenta a fixação de placas, patrocinadas pela iniciativa privada (a troco de publicidade), “conscientizando” a população contra a prática de dar esmolas. A outra proíbe uma série de atos que supostamente “atrapalham o trânsito” – como, por exemplo, a prática de pedir esmolas.

As duas leis são “exemplares” porque demonstram com a mais absoluta clareza a persistência de um desprezível higienismo social, elitista e carregado de preconceito. Demonstram, mais ainda, a mais inadequada realização deste higienismo por meio jurídico, por iniciativa do poder público – e, assim, revelam qual a “solução” adequada, do ponto de vista deturpado da “higiene” social, para a profunda desigualdade da sociedade brasileira.

O higienismo não é, de fato, uma novidade nesta sociedade de extremos, de passado senhorial e de aspirações aristocráticas incansáveis em que vivemos. A reação contra a construção de uma estação de metrô – ou, mais precisamente, contra um suposto “público diferenciado” – da burguesia tradicional do bairro paulistano ironicamente conhecido como “Higienópolis” é apenas mais um célebre episódio a ser lembrado. O preconceito contra a pobreza e o desprezo da miséria são recorrentes e estão profundamente arraigados na “consciência” das assim chamadas classes médias e das elites brasileiras.

Esta “repulsa” encontra, não raro, por parte desses grupos sociais, a solução mais “óbvia”: trata-se de eliminar do seu campo de visão o pobre, o miserável, o excluído, o mendigo, o usuário de “crack” etc. Trata-se, noutras palavras, de “varrer” isto que, de um ponto de vista sórdido, é a “sujeira” da sociedade, o indesejável que “polui” o ambiente idealmente asséptico de uma sociedade igual que não existe, para debaixo do tapete.

É precisamente isto que as leis aprovadas em Campinas pretendem realizar. Não se coloca em questão qualquer medida para suprimir ou, ao menos, para reduzir a extrema e estrutural desigualdade que constitui a causa da existência de mendigos pedindo esmolas nas ruas da cidade. O único objetivo das leis é tirá-los de vista, afastá-los para sabe-se lá onde, afastá-los da “nobre” presença do transeunte que, por “sorte”, não está na mesma condição miserável de vida.

O transeunte tem, afinal, que ser “poupado” desta desagradável visão – da desagradável realidade que, bem defronte os seus olhos, não deixa dúvidas. Uma agradável mentira, portanto, cuidadosamente construída com ajuda da lei. Mas, a despeito de qualquer mentira, o problema central, que o poder público não coloca em pauta e que lei alguma poderá resolver, continua o mesmo: a distribuição desigual da riqueza inerente ao mundo capitalista, cuja eliminação pode ocorrer apenas por meio da superação desta forma histórica de sociedade.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 25/04/2012.]

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