quinta-feira, 8 de março de 2012

[Crítica Social] Psicologia, religião, homofobia


PSICOLOGIA, RELIGIÃO, HOMOFOBIA

Tramita atualmente na Câmara dos Deputados, por iniciativa da “Frente Parlamentar Evangélica”, um projeto de decreto legislativo (nº 234/2011) que visa “sustar” certos dispositivos de uma resolução interna do Conselho Federal de Psicologia que proíbem os psicólogos de oferecer qualquer tipo de “tratamento” ou “cura” para a homossexualidade. Na prática, o que referido projeto pretende é permitir que psicólogos encarem a homossexualidade como uma patologia psíquica, isto é, que encarem o homossexual como um doente, como alguém que precisa de tratamento, como um “paciente” que pode ser devolvido à “normalidade”.

Não é por acaso, contudo, que o Conselho Federal de Psicologia proíbe a redução da homossexualidade à condição de doença. Não há, do ponto de vista clínico, qualquer desvio psíquico ou qualquer aspecto patológico relacionado à orientação homossexual. Não se trata, em nenhum sentido, de uma doença. E esta conclusão é o resultado de pesquisas rigorosas, cujo mérito a ser reconhecido é precisamente o de deixar para trás preconceitos, fobias e idéias distorcidas que nada têm de compatível com o caráter científico da atividade profissional do psicólogo.

É inadmissível que o legislativo brasileiro seja chamado a intervir nesta questão por motivação religiosa e, mais ainda, para promover (à força) um tremendo retrocesso.

Uma religião qualquer pode muito bem considerar a homossexualidade contrária aos seus preceitos. Assim como a religião pôde, séculos atrás, condenar os defensores do heliocentrismo como hereges e pode, ainda hoje, em não raros casos, continuar a negar a evolução espécies, é também prerrogativa sua insistir no caráter “imoral” da homossexualidade a despeito de todas as evidências e de toda a razoabilidade. Mas nenhuma religião pode pretender que esta “censura” se estenda um passo sequer para além dos estritos limites da sua fé.

Entenda-se bem. Não se trata de discutir a possibilidade ou não de participação do homossexual no culto religioso. Não se trata, por outro lado, de obrigar qualquer religião que seja a abrir mão dos seus dogmas. Trata-se de transpor da maneira mais indevida o dogma religioso de alguns em imposição política universal. Ao pretender valer-se da força do Estado, mecanismo supostamente neutro de poder, para impor a todos uma visão baseada tão-somente numa certa fé, os representantes religiosos certamente extrapolam todos os limites. Seria o mesmo que impor o dogma pela força. Seria o mesmo que colocar a lei a serviço da perpetuação da discriminação, usar o poder público para legitimar uma forma grave de preconceito.

O Estado, como poder público, laico, detentor do monopólio legítimo da violência não pode admitir isto. Uma sociedade minimamente consciente das grandes lutas do seu tempo não pode ser conivente com um tal absurdo.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 07/03/2012. DIÁRIO (Dracena-SP), 11/03/2012]

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