quinta-feira, 1 de março de 2012

[Crítica Social] Carnaval da repressão


CARNAVAL DA REPRESSÃO

À exceção de fofocas de celebridades ou descalabros relacionados às escolas de samba, não se pode esperar que qualquer notícia circule amplamente no Brasil em tempo de carnaval. O país aparentemente mergulha num estado de catarse, o feriado prolongado dispersa pessoas e atenções, a repercussão de qualquer acontecimento “não-carnavelesco”, por mais importante que seja, fica, para dizer o mínimo, seriamente comprometida.

O carnaval é, por isso mesmo, um período “ideal” (do ponto de vista mais perverso) para atrocidades que, em dias ordinários, causariam forte impacto midiático passarem quase “despercebidas”. É um período “ideal” para a pancada, para a barbárie, para o absurdo, sem a conseqüente polêmica, sem controvérsia e sem debate, sem oposição pública.

A direção da Universidade de São Paulo, em sua intrincada aliança com o governo do estado, soube muito bem aproveitar-se desta situação. Praticamente sem repercussão, quase inteiramente às escondidas dos olhos e dos ouvidos do grande público, em pleno domingo de carnaval, a Polícia Militar novamente foi mobilizada para ocupar ostensivamente o campus. O pretexto, desta vez, foi remover 12 estudantes do CRUSP, a moradia que integra o serviço de assistência estudantil da universidade, segundo alegação de que estes ocupavam irregularmente o edifício.

A moradia estudantil, é evidente, serve para atender às necessidades dos estudantes sem condições econômicas de custear a própria habitação. Trata-se, afinal, de uma universidade pública, que deve atender às condições mínimas para que estudantes oriundos de qualquer localidade e de qualquer classe social tenham acesso às suas salas de aula. Isto, sobretudo, num país marcado pela desigualdade social exacerbada, em que uma parcela significativa da população simplesmente não poderia ter acesso à universidade senão por meio de tal assistência.

A ocupação do edifício do CRUSP em questão ocorreu em 2010, como parte de um movimento que exigia ampliação das vagas e melhora das condições (sabidamente precárias) da moradia. Há, de fato, mais alunos que necessitam da assistência da universidade do que vagas. Mas a resposta da USP aos reclamos dos estudantes não é, nem de longe, adequada à dimensão do problema social com a qual a universidade se depara.

A política da universidade não é, em definitivo, a de ampliar e melhorar o serviço de assistência. Não é, em definitivo, uma política de orientação social, voltada ao enfrentamento da situação social brasileira e dos seus reflexos dentro da universidade. A política da universidade é, mais uma vez, inescrupulosa e descaradamente, de violência, de repressão, de pancada. E na surdina, covardemente protegida de todo o escândalo e de todo o potencial de mobilização dos próprios estudantes.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 29/02/2012.]

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