quinta-feira, 24 de novembro de 2011

[Crítica Social] Moralização e transformação social


MORALIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Um pensamento do tipo “o mundo está cheio de mazelas porque as pessoas são moralmente más” conduz imediatamente a uma solução do tipo “a salvação reside numa mudança moral”. Mas idéias deste gênero, embora muito recorrentes, não são exatamente as mais adequadas a uma perspectiva efetivamente crítica. Elas indicam, é certo, algum inconformismo quanto à ordem estabelecida – partem, porém, de premissas equivocadas e, por conta disso, apostam em soluções inócuas.

A moralização de questões sociais – desigualdade, pobreza, exclusão, exploração, violência urbana etc. – desloca tais questões de seu terreno próprio, isto é, retira o caráter propriamente social que lhes é inerente e, assim, torna-se incapaz de enfrentar as suas reais dimensões. A moralização individualiza e transpõe para a vontade e para a consciência aquilo que, na verdade, não depende nem da vontade e nem da consciência.

É na própria estrutura social concreta em que vivemos, nesta estrutura social desigual e excludente, que devemos buscar as causas da desigualdade e da exclusão. É, portanto, a estrutura social, determinada por relações de produção muito específicas, que deve ser transformada para superar, por relações sociais novas, a desigualdade, a exclusão e todas as demais distorções inerentes à sociedade superada.

Quero dizer, a “solução” não reside numa nova moral, mas numa nova sociedade. A “solução” não reside na transformação da moral, dos valores ou da consciência dos indivíduos, mas na ação política, coletiva e organizada, e no processo de transformação efetiva das relações sociais, mais especificamente das relações de produção.

Não se trata, portanto, de perguntar quais as conseqüências das características morais encaradas como “más” para a sociedade, mas antes qual a sociedade que produz, nos indivíduos, tais características morais. Se, nesse sentido, o egoísmo, a falta de solidariedade, o desrespeito à dignidade do próximo etc. são “falhas morais” recorrentes no homem do nosso tempo, é preciso verificar, em primeiro lugar, qual a forma de sociedade que induz tais “falhas”. E certamente não é difícil perceber a sua vinculação a uma sociedade que glorifica o interesse privado e a competição e que, ao mesmo, está edificada sobre um modo de produção que se fundamenta na exploração do trabalho e na desigualdade de classe.

A mudança moral, a despeito de suas eventuais “boas intenções”, arrisca permanentemente perder-se num moralismo sem sentido. Um novo mundo não pode ser criado pura e simplesmente por uma “boa vontade”. Um novo mundo, verdadeiramente novo, só pode nascer da luta.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 23/11/2011.]

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

[Crítica Social] Universidade e repressão – II


UNIVERSIDADE E REPRESSÃO – II

São como adolescentes mimados que querem fazer o que bem entendem sem limites.

Assim referiu-se um colunista da Folha de São Paulo aos estudantes que, desde a semana passada, ocupavam o prédio da reitoria da Universidade de São Paulo. Assim, com essas poucas palavras, com essa acusação sumária, resumiu o problema. Assim tratou de despir a questão de qualquer aspecto político, de qualquer dimensão propriamente coletiva, de qualquer significado para o debate acadêmico: tudo se explica, pensa o jornalista, por um desvio psicológico, moral, individual dos estudantes.

Providencial que o jornalista tenha publicado a sua coluna apenas algumas horas depois da ação da polícia militar que, pela força, expulsou os estudantes do edifício. Providencial e, diga-se, com certa aparência de “comemoração” pelo ocorrido. Esta “comemoração” que, na verdade, aparece agora em toda a grande mídia – em conjunto, como era de se esperar, com uma verdadeira campanha para denegrir os estudantes que protestavam, para reduzi-los a meros “baderneiros” e, portanto, para insistir no caráter individual, não político, do protesto.

É provável, contudo, que nem mesmo uma palavra seja dedicada por esta mesma grande mídia à questão fundamental: o absurdo da violência, da repressão, da ação armada perpetrada pelo Estado contra um movimento de estudantes. O absurdo, mais ainda, da redução, pelo governo do estado e pela reitoria da universidade, do movimento estudantil a “questão de polícia” – e a completa falta de pudor (típica, aliás, de regimes políticos de ultradireita) em recorrer à força aberta para a “solução” da questão.

Note-se que as notícias inicialmente vinculadas “orgulhosamente” dão conta de uma ação policial que envolveu mais de 400 membros da tropa de choque, devidamente protegidos atrás de seus escudos e armados com cassetetes e escopetas com balas de borracha, além de outros grupos da polícia e de dois helicópteros. Sim, mais de 400 policiais armados e dois helicópteros contra um grupo de estudantes desarmados. A desproporção de forças é mais do que evidente – mas isto nenhum veículo de imprensa parece pretender destacar.

O que se pode observar é um quadro nada animador. Com apoio da imprensa e (o que é pior) com aplauso de grande parte da população, inclusive de grande parte da comunidade uspiana, a universidade tornar-se um espaço sob controle da polícia. Protestos e manifestações dos estudantes são reprimidos pela força, ao máximo. Resta esperar que esses não sejam os primeiros passos numa escalada reacionária para um terror muito maior...

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 09/11/2011.]

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

[Crítica Social] Universidade e repressão


UNIVERSIDADE E REPRESSÃO

Na noite da última quinta-feira fomos obrigados a assistir um espetáculo deprimente na Universidade de São Paulo, um espetáculo de violência absurda e gratuita, resultado de uma ação repressiva perpetrada pela polícia militar contra os estudantes.

O motivo alegado – suposto porte de maconha por três estudantes – definitivamente perdeu qualquer importância. Não há nenhuma proporcionalidade entre tal motivo alegado e a ação da polícia. E nada poderia, de qualquer maneira, justificar a violência indiscriminada contra um grupo inteiro de estudantes – sobretudo se tivermos em vista que esses estudantes estavam desarmados e apenas exerciam uma prerrogativa indiscutivelmente legítima de protestar.

Não há que se falar, nesse sentido, que os policiais agiram apenas em sua própria defesa. A polícia dispunha de toda a “vantagem” fornecida por armas, equipamentos e treinamento, de modo que não esteve verdadeiramente “ameaçada” pela mobilização estudantil em momento algum. Assim, toda a discussão a respeito de “quem começou” a agressão, além de assumir contornos descabidamente infantis, também perde o seu sentido: ainda que tenham sido os estudantes, a resposta da polícia jamais poderia ter sido tão desmedida e tão arbitrária.

Mais ainda, não há que se falar que a ação da polícia limitou-se a restabelecer a “ordem”. Porque havia perfeita “ordem” na USP antes da ação da polícia. Se houve “desordem”, esta foi causada precisamente pela violência policial. A ação da polícia foi, portanto, não a solução, mas a verdadeira causa do problema.

O que, de um modo geral, este espetáculo deprimente revela é muito significativo. Não se trata de um episódio meramente acidental – nem é, no fim das contas, a primeira vez que algo do tipo ocorre na USP nos últimos tempos. Trata-se, na verdade, de mais uma demonstração do modo pelo qual o governo paulista vem, já há vários anos, encarando o ensino superior público estadual.

Tentativas sucessivas de privatização, sucateamento de cursos mais distantes das perspectivas mercantis, redução da pesquisa a dimensões puramente quantitativas e produtivistas, completa abdicação ao ideal de universidade como geradora de conhecimento e crítica. Este “projeto”, que agora encontra apoio irrestrito na reitoria da universidade, está combinado com uma diretriz política clara no que diz respeito ao movimento estudantil: a completa redução deste a “questão de polícia”. Não por acaso assistimos, também na USP, em 2009, a uma batalha entre tropa de choque e estudantes. Não por acaso o atual reitor foi escolhido, no ano passado, burlando o procedimento estabelecido, entre os prediletos do partido que há anos ocupa o governo estadual. Não por acaso assistimos, nos últimos meses, à completa ocupação do campus pela polícia. O futuro traçado pelas “autoridades competentes” para a Universidade de São Paulo há de ser construído, ao que parece, sob o impacto de cassetetes e sob o estrondo de balas de borracha.

[Publicações: O REGIONAL (Catanduva-SP), 02/11/2011.]